15 novembro, 2020

O Fio da Navalha, de Somerset Maugham

 


OPINIÃO


Primeiro livro que leio deste autor. Gostei bastante e fica o compromisso (não é, Rute Martins) de ler outros. A escrita é clara e simples e a história é narrada na primeira pessoa. Aliás, Maugham integra a narrativa, conhece as personagens, convive com elas, ouve-as e mais tarde escreve este romance reavivando as suas “lembranças”. Na primeira página, ao dirigir-se ao leitor, revela “quero apenas escrever sobre aquilo de que tenho conhecimento”. Estamos então perante um romance baseado em factos reais.

Trata-se de uma narrativa longa que caracteriza as personagens com densidade psicológica e aborda temas como a importância, ou não, de viver segundo as convenções impostas pela sociedade; a caracterização detalhada das personagens que me faz preferir umas em detrimento de outras (são personagens fortes, com carácter); a descrição dos encontros, dos eventos, das casas, do vestuário, etc. que tão bem representam as mentalidades francesa, inglesa e americana, da época.

Mas aprecio sobretudo as reflexões que vão surgindo, ao longo do texto, em relação às opções (de vida) de cada um dos intervenientes. Elliot, amigo de Maugham, representa uma personagem snobe e fútil que pretende impor-se na alta sociedade, mas no fundo, é bem mais do que isso, já que apesar das suas convicções mundanas e do seu estilo de vida, revela-se um homem bom e generoso e amigo da família. Isabel, sobrinha de Elliott, educada numa sociedade fútil em que o estatuto social tem um peso enorme, receia o desconhecido, a instabilidade económica e opta pela segurança e bem-estar ao casar com Gray, em detrimento do amor. Larry, é uma personagem fantástica, livre e independente, abandona o conforto e a riqueza “não levo mais nada além da roupa que trago vestida e meia dúzia de coisas numa mala” (p. 312), e parte à aventura, pelo mundo, em busca de conhecimento. 

Maugham descreve Larry desta forma: “Ele sorriu. Já devo ter comentado pelo menos vinte vezes a beleza do seu sorriso, tão acolhedor, sincero e encantador. Reflectia toda a candura e sinceridade da sua personalidade cativante; mas tenho de o fazer mais uma vez, pois agora, além de tudo isso, havia também nele algo de terno e melancólico.” (p. 312) 

Para concluir, e em resposta à dúvida colocada, inicialmente, pelo autor “se lhe chamo romance é só por não saber o que mais lhe chamar”, estamos perante um belo romance autobiográfico que nos faz reflectir sobre a vida, sobre opções de vida, mas também sobre o amor, o ciúme; sobre a sociedade, a futilidade; sobre o conhecimento e religião; sobre a busca da felicidade, da liberdade, do equilíbrio, da descoberta do "eu". 

"- (...) a verdadeira sabedoria consiste em alcançar um equilíbrio entre as exigências do corpo e as exigências do espírito. - (...) procuramos a felicidade nas coisas materiais, mas que a felicidade não se encontra aí, mas sim nas coisas espirituais. (pp. 295 e 296)


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