18 maio, 2020

O Fio das Missangas, de Mia Couto




OPINIÃO

29 contos (29 “missangas”) integram este livro. Uma temática diversificada que capta o interesse do leitor e o deixa a matutar no final de cada estória. 

“A missanga todos a vêem. 
Ninguém nota o fio que, em colar vistoso, vai compondo as missangas. 
Também assim é a voz do poeta: um fio de silêncio costurando o tempo."

Mia Couto dá relevância ao universo feminino, aqui, quase sempre a mulher é submissa, esquecida, maltratada, pelo homem (marido, pai, tio, irmão…) tal como o fio que une as missangas e que não se vê. A mulher é colocada perante situações de violência, de suicídio, de separação, de traição, de incesto, de morte e de loucura. 
Poderíamos pensar que se trata de um livro duro, cruel devido às temáticas abordadas, mas a escrita poética e os finais mais sugeridos do que explícitos suavizam a realidade e sensibilizam o leitor. Outra característica muito própria do autor e que engrandece a escrita é a criação de neologismos que tão bem interpretam o sentimento, o estado de alma das suas personagens.
“Mas eis: uma súbita vez, passou por ali um formoso jovem. E foi como se a terra tivesse batido à porta de suas vidas. Tremeu a agulha de Evelina, queimou-se o guisado de Flornela, desrimou-se o coração de Gilda.
No tecido, no texto, na panela, as irmãs não mais encontraram espelho. Sucedeu foi um salto na casa, um assalto no peito. As jovens banharam-se, pentearam-se, aromaram-se. Água, pente, perfume: vingança contra tudo o que não viveram: Gilda rimou “vida” com “nudez”, Flornela condimentou afrodisiacamente, Evelina transparentou o vestido. Ardores querem-se aplacados, amores querem-se deitados. E preparava-se o desfecho do adiado destino.” (p. 14) 

No conto que deu o título ao livro, um homem “devidamente casado, se enamorava de paixão ardente por infinitas mulheres. Não há dedos para as contar, todinhas, dizia: - A vida é um colar. Eu dou o fio, as mulheres dão as missangas. São sempre tantas, as missangas." (p. 68). Bela metáfora que expressa a posição da mulher perante esta sociedade machista, em terras africanas, mas que poderia acontecer em qualquer outro lugar. 



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