19 março, 2025

𝑫𝒆𝒗𝒐çã𝒐 (𝑫𝒆𝒗𝒐𝒕𝒊𝒐𝒏), de Patti Smith

 


Autora: Patti Smith
Título: Devoção (Devotion)
Tradutor: Helder Moura Pereira
N.º de páginas: 125
Editora: Quetzal
Edição: Abril 2019
Classificação: Ensaio e Conto
N.º de Registo: (3640)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐



Devoção é um misto de ensaio, memórias e ficção que nos conduz à reflexão sobre a escrita, mais concretamente sobre o que nos impele a escrever.

"Porque escrevo?" é a pergunta que surge no final. E a resposta é belíssima e elucidativa: "O meu dedo, como um estilete, desenha no ar um ponto de interrogação. Uma obsessão familiar de que me lembro desde criança quando me retirava das brincadeiras e do convívio com os amigos e me afastava das eventuais delícias do amor para ficar cercada por palavras e dominada por uma pulsação que me era externa." E conclui, referindo que escrevemos "Porque não nos podemos limitar a viver."

Anotar, registar é o gatilho. Para a autora, escrever é bem mais do que viver. Patti Smith divide este livro em três partes. Na primeira – Como funciona a mente – revela-nos o processo de criação, a exploração da inspiração, isto é, a partir de uma ideia que lhe atravessa a mente, e das pistas que foi registando, procura escrever; na segunda – Devoção – que dá o título ao livro, apresenta-nos o conto, a escrita ficcionada que resultou dessa ideia que lhe ficou e que consiste na obsessão de uma jovem patinadora que vive para a sua arte tal como a autora vive para a sua; na terceira – Um sonho não é um sonho – oferece-nos a explanação da razão pela qual escrevemos. Trata-se de uma reflexão fascinante sobre o sentido da escrita. No final do livro, surge ainda – Escrito num comboio – uma selecção de fotografias do seu caderno manuscrito que sustentam a escrita do seu conto durante a viagem de comboio a Paris, e de espaços, já referidos, que se revelaram importantes para o processo criativo.

Escrever não é fácil, o caderno mantem-se branco. Patti Smith encontra pistas em lugares e objectos desconexos, como num livro sobre a vida de Simone Weil, num trailer de um filme, nas ruas e cafés de Paris frequentados pelos seus ídolos literários, no jardim da editora Gallimard, na casa de Albert Camus, no sul de França, no túmulo de Simone Weil em Ashford em Londres, entre outros.

É durante a viagem de comboio a Sète, no sul de França, com o seu editor, que ela escreve febrilmente o seu conto que intitulou Devoção (Devouement) palavra que descobriu numa lápide no cemitério de Sète.
“Eu andava à procura de uma coisa e encontrei outra muito diferente” escreve a autora na página 42 e revela-nos os motivos que a levaram a afastar-se da sua trajectória inicial.

É um livro pequeno, mas fascinante que apresenta uma importante reflexão sobre o acto de escrever. Patti Smith mostra-nos que a escrita não pode ser dissociada da vida, do quotidiano, das memórias, das leituras. Para além da técnica de escrita e de revisão, escrever é o resultado do que somos e do que vivemos.


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