Exercício de Escrita Criativa proposto por Carolina palminha no âmbito do grupo de leitoras da biblioteca municipal de Sines - Uma Casa sem Livros.
Premissas:
A partir de um início de texto (em itálico) desenvolver uma história criativa; ter em conta que uma página, ou página e meia seria suficiente.
Sentei-me.
O comboio pôs-se em movimento.
Pelas janelas a paisagem deslizava em tonalidades de verdes, dourados, amarelos das azedas, vermelhos de papoilas e de quando em quando, o casario de um pequeno povoado mostrava-nos, pelo fumegar que saía das chaminés, que ali havia gente, havia vida, gargalhadas ou tristezas, calor ou frio…
No interior da carruagem o alegre riso de crianças e o tagarelar dos adultos.
Alguns farnéis foram retirados das cestas e um cheiro de fritos e frutos inundou-nos.
Tentei abstrair-me, abri o livro e recomecei a leitura.
Daí a instantes,
uma das crianças aproximou-se de mim, lentamente, com receio de me incomodar e estendeu a sua mãozinha com uma maçã bem vermelha e apetitosa.
uma das crianças aproximou-se de mim, lentamente, com receio de me incomodar e estendeu a sua mãozinha com uma maçã bem vermelha e apetitosa.
- Toma - disse ela - também tens fome? Mal tive tempo de agradecer, saltou para o meu lado e metralhou-me com perguntas sobre o livro que estava a ler, de que falava, se tinha desenhos e, de seguida, com um sorriso maroto, pediu-me para lhe ler a história.
Quando, finalmente, me foi concedido um tempinho para falar, perguntei-lhe como se chamava e quantos aninhos tinha.
- Sou a Beatriz, mas todos me chamam Bia e tenho quatro anos, respondeu a despachar-me com os olhos bem abertos. E a história? Insistiu ela.
Expliquei-lhe que o livro que estava a ler não era para a idade dela e que não iria compreender a história, já que tratava de guerra. Li-lhe o título do livro – O Sangue dos Outros, indiquei-lhe o nome da autora (Simone de Beauvoir) e fiz-lhe um pequeno resumo para que ela percebesse que não era má vontade minha. Ela baixou tristemente a cabeça e pediu que lhe lesse então só um bocadinho que não falasse de guerra. É que eu gosto muito de histórias e não tenho livros em casa…
Pedi-lhe, então, que fechasse os olhos e que só os abrisse quando eu lhe dissesse.
Abri a mochila que levava comigo e retirei um livro. Como ia visitar a família e os sobrinhos, tinha uma vasta gama para lhes oferecer. Sabem, é que faço parte do clube das tias que só oferecem livros. Que falta de criatividade! Oferecer sempre o mesmo! Dir-me-ão.
Como dizia, retirei da mochila um livro. Um livro maravilhoso que sabia de antemão que iria agradar a esta menina ternurenta e carinhosa. E comecei a ler:
Era uma vez uma menina muito, muito pequenina…
Assim, que ouviu a primeira frase, os seus olhos cresceram e o sorriso iluminou-se. Aquietou-se bem ao meu lado para acompanhar as páginas e observar as ilustrações.
No final da história com os olhinhos marejados de lágrimas, lançou os seus bracinhos ao meu pescoço e disse que tinha gostado muito da história da menina que não sabia chorar.
- Olha, não me disseste como se chama o livro, nem quem o escreveu – comentou ela, feliz a desenhar com os dedinhos o contorno dos desenhos.
- Tens razão, respondi. Chama-se “Os olhos GRANDES da menina pequenina”, foi escrito por Ondjaki, um escritor angolano, inventor de histórias bonitas, e foi ilustrado por Carla Dias.
Estávamos felizes, ela com o livro nas mãos, ainda a saborear a história, e eu por ter contentado uma criança com uma simples leitura.
De repente, o encanto termina. Somos sacudidas com o berro “Bia, anda já pr’aqui” de uma mãe insensível.
Bia olhou para mim, encolheu os ombros, e deixou-se ficar virando e revirando o livro. Disse-lhe que devia obedecer à mãe. Mas ela fingiu não me ouvir e acariciou a imagem da menina da capa do livro.
Do outro lado, a mãe insistia no pedido e nos berros. A Bia olhou-me, levantou-se, entregou-me o livro e fechou o sorriso.
Devolvi-lhe o olhar e o livro – Podes ficar com ele. É uma prenda minha. Em retorno, recebi o sorriso de uns olhos grandes.
Afinal, há no mundo muitas meninas pequeninas com olhos grandes. Ondjaki quando escreveu este livro, sabia que ia encontrar muitas. E eu, hoje, nesta viagem, encontrei a Bia. Uma menina pequenina, de olhos grandes que adora histórias.
GR
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