31 março, 2025

Galveias - nos trilhos de José Luís Peixoto

 No dia 29 de Março, o grupo de leitores de Uma Casa Sem Livros rumou em direcção a Galveias para visitar o Centro Interpretativo José Luís Peixoto e visitar alguns dos pontos principais da obra Galveias. 
Foi um dia agradável de convívio e de aquisição de conhecimentos literários e culturais. 



        

                        

                  

                  

       
 
                  

         




28 março, 2025

𝑴𝒂𝒏𝒅í𝒃𝒖𝒍𝒂, de Mónica Ojeda

 



Autora: Mónica Ojeda
Título: Mandíbula
Tradutor: Rui Elias
N.º de páginas:298
Editora: D. Quixote
Edição: Março 2024
Classificação: Romance Thriller
N.º de Registo: (3631)



OPINIÃO ⭐⭐⭐


Conheci Mónica Ojeda no F(o)lio, em Óbidos. Gostei muito de a ouvir e como não conhecia a sua obra, decidi comprar um livro e optei por Mandíbula.
Reconheço que o enredo é intenso e perturbador, escrito numa linguagem crua, envolvente e fascinante, porém, o ambiente de paranoia e de horror presente não é de todo do meu agrado.

O livro explora temas interessantes como a relação entre professoras e alunas, relações familiares, sexualidade e violência. A narrativa foca-se num grupo de adolescentes de classe social alta, numa escola para raparigas e começa com o sequestro de uma aluna, Fernanda, pela professora de literatura, Miss Clara, e, ao longo dos capítulos, mergulhamos nas memórias e nos passados complexos e assombrados das personagens. Estamos perante um grupo de mulheres feroz e implacável.

Mónica Ojeda, neste livro, explora o lado mais sombrio das relações humanas. E fá-lo de forma exímia.
Ojeda alterna tempos, vozes e pontos de vista para explorar o impacto dessas relações em várias camadas permitindo ao leitor entrar na mente das personagens e vivenciar os seus traumas e conflitos internos. Ela constrói uma trama fragmentada e imersiva que espelha o modo como a memória e o trauma funcionam nas personagens. O recurso a elementos de terror psicológico, de suspense e de desconforto intensifica a tensão existente e os medos implícitos. A referenciação de obras literárias, mitologias e teorias psicanalíticas atribui maior profundidade à análise das tensões. E, finalmente, a combinação de descrições de acções reais, do quotidiano com imagens aterradoras, causa desconforto, angústia e medo.

Assim, Mandíbula mostra-nos o lado mais perverso do ser humano. A monstruosidade entre adolescentes, a disfunção relacional entre colegas que exploram os seus corpos com jogos e desafios perigosos e inusitados.

“«Não finjam que não sabem que gostam disto», disse Annelise uma tarde em que se assustou muito porque Fernanda desmaiou durante o jogo do estrangulamento. «Só faz sentido se for perigoso».” (p.97)

Mónica Ojeda conduz a sua narrativa para zonas sombrias da mente humana. À instabilidade psicológica das principais personagens alia a simbologia do medo, construindo uma atmosfera de horror encantatória. Para mim, foi uma leitura difícil, não gosto da temática do horror, mas fiquei presa pela escrita e pela curiosidade em perceber a causa da perturbação obsessiva da professora e ainda bem que fui até ao fim porque considero sublime o ensaio que a aluna Annelise escreveu à professora Clara Valverde. São cerca de trinta páginas que respondem a um “exercício” solicitado pela professora e que consistia em comentar um dos contos de Edgar Allan Poe, analisado na aula.


26 março, 2025

Núcleo Museológico Grândola Vila Morena

 

Foi uma visita muito interessante e enriquecedora. As três pequenas salas que integram o núcleo, em Grândola, está muito bem pensado e a informação é relevante.  Esta actividade cultural integra a ordem de trabalhos das reuniões da equipa que ocorrem uma vez por mês.
Para mim, foi a última reunião como professora bibliotecária. 


          


           


        


        

25 março, 2025

Dias emotivos e solarengos

 



Há dias em que a vida nos bafeja com abraços, sorrisos, carinho, miminhos. Podia ter resumido tudo com a palavra afectos, mas não era a mesma coisa. 

Hoje, foi um dia desses. Emotivo e solarengo! Mais um! Sou uma sortuda!
Ora vejam se não tenho razão!
Em mais um, dos muitos, encontros das professoras bibliotecárias do Alentejo Litoral, fomos principescamente recebidas pela Senhora Diretora e pela nossa colega Paula Gomes, anfitriãs da Escola Profissional de Desenvolvimento Agrícola de Grândola. Na visita à biblioteca requalificada ouvimos poemas lidos pelos alunos e, na sala de trabalho, os mesmos alunos e seus professores presentearam-nos com um buffet vistoso e apetitoso. Estão de parabéns!

Após uma manhã de trabalho (confesso que desta vez não registei nada) sempre enriquecedora e muito bem orientada pela nossa querida coordenadora Lucinda Simões, fui surpreendida , ou talvez não porque conheço muito bem este grupo maravilhoso, mas, como dizia, fui surpreendida pelas palavras gratificantes, carinhosas e emotivas das minhas (ex)colegas de labuta livrólica e pelos miminhos encantadores que me ofereceram. Conhecem-me muito bem. De mim, receberam em troca abraços (não chorei, contive-me) e um pequeno caderno com uma singela mensagem, mas muito sentida. Elas sabem que sim.
Depois destas emoções e dos respectivos registos fotográficos para memória futura, continuámos a celebração da minha saída, não despedida, do grupo de trabalho, no restaurante "Villa Mariscos". A boa disposição foi crescendo à medida que o repasto avançava. Até tive direito a um poema dedicado e lido pela minha amiga Fátima Nunes. Adorei. 

Só um aparte: se não conhecem, convido-vos a degustar o arroz de lingueirão ou as migas.
Para finalizar o dia, não podia faltar a já habitual visita cultural e, assim, fomos visitar o Núcleo Museológico Grândola Vila Morena. Pequeno mas muito interessante. Não percam quando forem almoçar ao tal restaurante que vos indiquei.

Partilho algumas fotos que confirmam a minha narrativa (palavra em moda) e que evidenciam o dia maravilhoso que vivi, vivemos.
Sou eternamente grata às minhas queridas colegas com quem tenho partilhado momentos inesquecíveis de aprendizagem, convívio e carinho.
Alda, Ana, Antónia, Bina, Catarina, Deolinda, Fátima, Lucinda, Maria José, Mariana, Noélia, Rosa, Rosinda, Rute estão no meu coração. Sabem disso!!! 





23 março, 2025

O Meu Rumo!

 



A casa da Rosa dos Ventos mapeia oito pontas e nela nunca perdemos o rumo.
Seja qual for o trilho escolhido será sempre com sentido e tino.

_____________


A casa da Rosa dos ventos é o abraço da orientação, o guia das almas sonhadoras.
Com os seus oito braços estendidos, norteia destinos e sussurra segredos do vento, do sol e dos deuses.
Em perfeita harmonia sobre o azul intenso do mar, ela é a bússola do coração humano.
O meu rumo! 


Nota: escrita criativa a partir do livro as casas das coisas, de João Pedro Mésseder (texto) e Rachel Caiano (ilustração)

21 março, 2025

Dia Mundial da Poesia

 



Amar 

Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui… além…
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente…
Amar! Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!…
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder… pra me encontrar…

Florbela Espanca

19 março, 2025

𝑫𝒆𝒗𝒐çã𝒐 (𝑫𝒆𝒗𝒐𝒕𝒊𝒐𝒏), de Patti Smith

 


Autora: Patti Smith
Título: Devoção (Devotion)
Tradutor: Helder Moura Pereira
N.º de páginas: 125
Editora: Quetzal
Edição: Abril 2019
Classificação: Ensaio e Conto
N.º de Registo: (3640)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐



Devoção é um misto de ensaio, memórias e ficção que nos conduz à reflexão sobre a escrita, mais concretamente sobre o que nos impele a escrever.

"Porque escrevo?" é a pergunta que surge no final. E a resposta é belíssima e elucidativa: "O meu dedo, como um estilete, desenha no ar um ponto de interrogação. Uma obsessão familiar de que me lembro desde criança quando me retirava das brincadeiras e do convívio com os amigos e me afastava das eventuais delícias do amor para ficar cercada por palavras e dominada por uma pulsação que me era externa." E conclui, referindo que escrevemos "Porque não nos podemos limitar a viver."

Anotar, registar é o gatilho. Para a autora, escrever é bem mais do que viver. Patti Smith divide este livro em três partes. Na primeira – Como funciona a mente – revela-nos o processo de criação, a exploração da inspiração, isto é, a partir de uma ideia que lhe atravessa a mente, e das pistas que foi registando, procura escrever; na segunda – Devoção – que dá o título ao livro, apresenta-nos o conto, a escrita ficcionada que resultou dessa ideia que lhe ficou e que consiste na obsessão de uma jovem patinadora que vive para a sua arte tal como a autora vive para a sua; na terceira – Um sonho não é um sonho – oferece-nos a explanação da razão pela qual escrevemos. Trata-se de uma reflexão fascinante sobre o sentido da escrita. No final do livro, surge ainda – Escrito num comboio – uma selecção de fotografias do seu caderno manuscrito que sustentam a escrita do seu conto durante a viagem de comboio a Paris, e de espaços, já referidos, que se revelaram importantes para o processo criativo.

Escrever não é fácil, o caderno mantem-se branco. Patti Smith encontra pistas em lugares e objectos desconexos, como num livro sobre a vida de Simone Weil, num trailer de um filme, nas ruas e cafés de Paris frequentados pelos seus ídolos literários, no jardim da editora Gallimard, na casa de Albert Camus, no sul de França, no túmulo de Simone Weil em Ashford em Londres, entre outros.

É durante a viagem de comboio a Sète, no sul de França, com o seu editor, que ela escreve febrilmente o seu conto que intitulou Devoção (Devouement) palavra que descobriu numa lápide no cemitério de Sète.
“Eu andava à procura de uma coisa e encontrei outra muito diferente” escreve a autora na página 42 e revela-nos os motivos que a levaram a afastar-se da sua trajectória inicial.

É um livro pequeno, mas fascinante que apresenta uma importante reflexão sobre o acto de escrever. Patti Smith mostra-nos que a escrita não pode ser dissociada da vida, do quotidiano, das memórias, das leituras. Para além da técnica de escrita e de revisão, escrever é o resultado do que somos e do que vivemos.


Dia do Pai

 

                                                  O meu pai, o meu sobrinho e eu 



A voz do meu pai

Abro os olhos.
Não vejo mais meu pai.
Não ouço mais a voz de meu pai.
Estou só. Estou simples.
Não como essa poderosa
voz da terra
com que me estás chamando, pai —
porque as cores se misturam
em teu filho ainda
e a nudez e o despojamento
não se fizeram em seu canto;
mas, simples por só acreditar
que com meus passos incertos
eu governo a manhã
feito os bandos de andorinha
nas frondes do ingazeiro.

Manoel de Barros

16 março, 2025

𝑹𝒆𝒈𝒓𝒆𝒔𝒔𝒐 𝒂 𝑪𝒂𝒔𝒂, de José Luís Peixoto

 


Autor: José Luís Peixoto
Título: Regresso a Casa
N.º de páginas: 110
Editora: Quetzal
Edição: Agosto 2020
Classificação: Poesia
N.º de Registo: (3255)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐



José Luís Peixoto (JLP) abre este livro de poesia com um belíssimo apelo. “Repara na manhã que nos rodeia”, repara na vida, nas palavras, na poesia. É um Regresso a Casa, às “suas casas”, lugares de afecto, às suas memórias, aos seus livros, às suas viagens.
Este regresso à poesia, em tempos de confinamento, é um mergulho emotivo e sincero na realidade e na sua intimidade, mas também uma fuga ao isolamento (quase claustrofóbico), ao receio de um futuro incerto. 
JLP encontra no poema e nas palavras uma janela propícia à reflexão, às lembranças, à saudade, mas também à confirmação de uma identidade. A sua.
“O poema é como uma casa, tem paredes
e janelas, é habitado pelo presente.”

JLP transforma a escrita, a poesia em terapia, como uma protecção e um escape à realidade. Para quem viaja regularmente, torna-se necessariamente difícil ficar “preso” em casa. Nos seus poemas captamos os afectos pelas pessoas, pelos lugares; as emoções; o amor; os instantes que preenchem “quarenta e cinco anos”.

Hoje, ao lê-lo, e ao partilhar o seu diálogo introspectivo, revejo-me na “minha casa” fechada entre quatro paredes, nas aulas aos quadradinhos, de volta dos livros e focada nas múltiplas partilhas de solidariedade que, espontaneamente, surgiam na internet; assaltam-me certas memórias que também recuperei e rememoro as dúvidas e os receios, então, vividos diariamente. Porém, a leitura deste livro proporciona-me, sobretudo, um melhor conhecimento de JLP, quer através da dimensão intimista que nos lega em diversos poemas, quer através da revisitação de algumas das suas obras publicadas até então. Como exemplo, o poema intitulado “Morreste-me” é enternecedor. Não ficamos indiferentes às palavras sentidas e sensíveis, tal como não ficámos aquando da leitura do livro homónimo.

Recomendo muito este Regresso a Casa. Lê-se lindamente e “carrega ecos” de um tempo e de um autor que muito aprecio. E termino como iniciei. “Repara” na vida, na poesia! Lê poesia! Lê JLP.
“(…)
Estamos vivos, repara. Um livro
de poesia, como uma trégua secreta,
uma janela, como os teus olhos
a verem-me em silêncio, ou os meus
olhos a verem-te. Um livro de poesia, como um regresso a casa.”




15 março, 2025

A menina pequenina

 

 




Exercício de Escrita Criativa proposto por Carolina palminha no âmbito do grupo de leitoras da biblioteca municipal de Sines - Uma Casa sem Livros.

Premissas: 
 A partir de um início de texto (em itálico) desenvolver uma história criativa; ter em conta que uma página, ou página e meia seria suficiente. 


Sentei-me.
O comboio pôs-se em movimento.
Pelas janelas a paisagem deslizava em tonalidades de verdes, dourados, amarelos das azedas, vermelhos de papoilas e de quando em quando, o casario de um pequeno povoado mostrava-nos, pelo fumegar que saía das chaminés, que ali havia gente, havia vida, gargalhadas ou tristezas, calor ou frio…
No interior da carruagem o alegre riso de crianças e o tagarelar dos adultos.
Alguns farnéis foram retirados das cestas e um cheiro de fritos e frutos inundou-nos.
Tentei abstrair-me, abri o livro e recomecei a leitura.
Daí a instantes,
                  uma das crianças aproximou-se de mim, lentamente, com receio de me incomodar e estendeu a sua mãozinha com uma maçã bem vermelha e apetitosa.
- Toma - disse ela - também tens fome? Mal tive tempo de agradecer, saltou para o meu lado e metralhou-me com perguntas sobre o livro que estava a ler, de que falava, se tinha desenhos e, de seguida, com um sorriso maroto, pediu-me para lhe ler a história.
Quando, finalmente, me foi concedido um tempinho para falar, perguntei-lhe como se chamava e quantos aninhos tinha.
- Sou a Beatriz, mas todos me chamam Bia e tenho quatro anos, respondeu a despachar-me com os olhos bem abertos. E a história? Insistiu ela.
Expliquei-lhe que o livro que estava a ler não era para a idade dela e que não iria compreender a história, já que tratava de guerra. Li-lhe o título do livro – O Sangue dos Outros, indiquei-lhe o nome da autora (Simone de Beauvoir) e fiz-lhe um pequeno resumo para que ela percebesse que não era má vontade minha. Ela baixou tristemente a cabeça e pediu que lhe lesse então só um bocadinho que não falasse de guerra. É que eu gosto muito de histórias e não tenho livros em casa…
Pedi-lhe, então, que fechasse os olhos e que só os abrisse quando eu lhe dissesse.
Abri a mochila que levava comigo e retirei um livro. Como ia visitar a família e os sobrinhos, tinha uma vasta gama para lhes oferecer. Sabem, é que faço parte do clube das tias que só oferecem livros. Que falta de criatividade! Oferecer sempre o mesmo! Dir-me-ão.
Como dizia, retirei da mochila um livro. Um livro maravilhoso que sabia de antemão que iria agradar a esta menina ternurenta e carinhosa. E comecei a ler:
        Era uma vez uma menina muito, muito pequenina…
Assim, que ouviu a primeira frase, os seus olhos cresceram e o sorriso iluminou-se. Aquietou-se bem ao meu lado para acompanhar as páginas e observar as ilustrações.
No final da história com os olhinhos marejados de lágrimas, lançou os seus bracinhos ao meu pescoço e disse que tinha gostado muito da história da menina que não sabia chorar.
- Olha, não me disseste como se chama o livro, nem quem o escreveu – comentou ela, feliz a desenhar com os dedinhos o contorno dos desenhos.
- Tens razão, respondi. Chama-se “Os olhos GRANDES da menina pequenina”, foi escrito por Ondjaki, um escritor angolano, inventor de histórias bonitas, e foi ilustrado por Carla Dias.
Estávamos felizes, ela com o livro nas mãos, ainda a saborear a história, e eu por ter contentado uma criança com uma simples leitura.
De repente, o encanto termina. Somos sacudidas com o berro “Bia, anda já pr’aqui” de uma mãe insensível.
Bia olhou para mim, encolheu os ombros, e deixou-se ficar virando e revirando o livro. Disse-lhe que devia obedecer à mãe. Mas ela fingiu não me ouvir e acariciou a imagem da menina da capa do livro.
Do outro lado, a mãe insistia no pedido e nos berros. A Bia olhou-me, levantou-se, entregou-me o livro e fechou o sorriso.
Devolvi-lhe o olhar e o livro – Podes ficar com ele. É uma prenda minha. Em retorno, recebi o sorriso de uns olhos grandes.
Afinal, há no mundo muitas meninas pequeninas com olhos grandes. Ondjaki quando escreveu este livro, sabia que ia encontrar muitas. E eu, hoje, nesta viagem, encontrei a Bia. Uma menina pequenina, de olhos grandes que adora histórias.

GR



13 março, 2025

𝑶 𝑺𝒂𝒏𝒈𝒖𝒆 𝒅𝒐𝒔 𝑶𝒖𝒕𝒓𝒐𝒔, de Simone de Beauvoir

 


Autora: Simone de Beauvoir
Título: O Sangue dos Outros
Tradutor: Miguel Serras Pereira
N.º de páginas: 255
Editora: Colecção Mil Folhas - Público
Edição: Janeiro 2003
Classificação: Romance
N.º de Registo: (1466)




OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Em O Sangue dos Outros, Simone de Beauvoir explora as complexidades morais e existencialistas enfrentadas pelas personagens durante a ocupação alemã em Paris, na Segunda Guerra Mundial. Nestes tempos de conflito, o leitor encontra-se dividido perante as decisões de Jean e Hélène; perante a angústia de viver e de ser ou não necessário para o outro; perante a verdade e a mentira; perante a aceitação de amar.
“ (…) E a angústia explode, sozinha no vazio, para além de todas as coisas desvanecidas. Estou sozinho. Eu sou esta angústia que existe por si só, apesar de mim; confundo-me com esta existência cega. Apesar de mim, e contudo não jorrando senão de mim. Recuso-me a existir: existo. Decido existir: existo. Recuso. Decido. Existo. Haverá uma alvorada.” (p. 140)

O mote do romance é-nos facultado pela brilhante epígrafe "Todos somos responsáveis por tudo perante todos", de Dostoievski. Desde logo, somos confrontados com a responsabilidade de existir, de tomar decisões. A angústia da escolha entre a liberdade individual e a colectiva manifesta-se ao longo da narrativa e Jean Blomart questiona-se e interroga os outros sobre o significado de liberdade, sobre os limites dessa mesma liberdade, sobretudo quando milita num movimento de resistência.

Neste livro fica claro que, apesar de sermos livres de escolher, quando o somos (veja-se a situação do povo judaico), a consciência de que temos essa liberdade, pode tornar-se num grande sofrimento. Blomart desafia-nos a reflectir sobre o impacto que cada decisão pode ter na vida de outrem. 
"Contar as vidas humanas, comparar o peso de uma lágrima com o peso de uma gota de sangue, era uma tarefa impossível, mas ele já não tinha que fazer contas, e toda a moeda era boa, mesmo essa: o sangue dos outros. O preço nunca seria caro de mais. (…) Tudo é melhor que o fascismo.” (pp. 201 e 202)

Acompanhamos todas as suas dúvidas e com ele vivemos o tormento da culpa e da responsabilidade. Recorrentemente, somos confrontados com questões como "Até que ponto somos responsáveis pelo sangue dos outros?", "Onde estava a culpa?", "Que podemos nós fazer?", "O que é o amor?".

O Sangue dos Outros é um romance poderoso e provocador, publicado em 1945. Numa escrita despretensiosa e natural, arrasta o leitor para a essência do existencialismo, da condição humana, explorando a culpa, o remorso ("por todo o lado, em todas as encruzilhadas, o remorso rondava: eu trazia-o colado à minha pele, íntimo e tenaz), a vergonha (“a nova imagem do remorso"), a responsabilidade da escolha, a angústia, a solidão, a busca da liberdade num mundo absurdo, em guerra. Nele, cada personagem luta por si, e é forçado a encontrar os seus valores morais.
"As pessoas são livres – disse eu [Jean] -, mas apenas cada uma por si própria; não podemos tocar na liberdade dos outros, em prevê-la, nem exigi-la. É exactamente isso que me é tão penoso; o que faz o valor de um homem não existe senão para si próprio, não para mim…" (p. 113)

Em 1983, O Sangue dos Outros foi adaptado ao cinema por Claude Chabrol, com Jodie Foster e Sam Neill nos papéis principais.



05 março, 2025

𝑵𝒂𝒔 𝑻𝒖𝒂𝒔 𝑴ã𝒐𝒔, de Inês Pedrosa

 


Autora: Inês Pedrosa
Título: Nas Tuas Mãos
N.º de páginas: 227
Editora: D. Quixote
Edição (7.ª): Março 2003
Classificação: Romance
N.º de Registo: (1664)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐



Nas Tuas Mãos integra três partes, com dez textos cada, que nos confrontam com três vidas, três mulheres, três gerações. Três perspectivas autobiográficas – Jenny, a aristocrata; Camila, a fotojornalista e Natália, a arquitecta - que começam na década de trinta sob o regime conservador, opressivo, patriarcal e bafiento de Salazar e findam nos anos noventa.

Cada uma das partes é introduzida por uma epígrafe que exalta a força da amizade, do amor. Contudo, na minha opinião, é a terceira, de Vergílio Ferreira “Não sei fingir que amo pouco quando em mim ama tudo” que melhor colige os sentimentos e os comportamentos das três mulheres.

Jenny, mãe e avó, num diário intimista e confessional, em diálogo com o falecido marido, lega-nos os seus segredos de um casamento de fachada, a sua força para combater as traições do homem que ama, decepções de amizade, mudanças sociais. Camila selecciona dez fotografias para, a partir delas, recordar e nos descrever uma época turbulenta de desencontros e perdas, de perseguição e tortura da ditadura, de dedicação às lutas revolucionárias, de envolvimento, como repórter, na guerra colonial de Moçambique, na busca de uma terapia para a solidão e o luto. Mas é no ato obsessivo de fotografar que ela resgata a verdade, a sua verdade. Natália, concebida em Moçambique, personifica a actualidade e é nas cartas que escreveu à avó Jenny, que a vamos descobrir. Nelas, ela revela o seu sucesso profissional, o seu distanciamento com a mãe, a procura da sua história, do seu pai, o (des)encontro com o amor e, sobretudo, a sua admiração pela avó. Natália descobre-se e define-se através das vidas misteriosas e independentes das suas antecessoras. E acaba por concluir que, apesar de tudo, constituem três gerações de solidão que se continuam.

Numa escrita muito poética e comovente, a autora apresenta-nos três vozes que vagueiam desiludidas num mundo agitado e perdidas no campo amoroso; que partilham a extravagância da classe alta em Lisboa; o idealismo das lutas dos anos sessenta e a impaciência e o desalento da década de oitenta/noventa.

Gosto sobremaneira da voz de Jenny. É um discurso intimista que revela uma mulher de olhar triste e doce, que assiste à paixão do marido por Pedro; que apaixonada vive louca e dolorosamente só numa casa enorme. É a voz que silencia a homossexualidade do marido, inaceitável na época; que denuncia a sua intimidade, que reflecte sobre a sua longa vida que acaba melancolicamente num reconhecimento de desistência, de “desaparecimento dos sonhos.”

Para concluir, Nas Tuas Mãos é uma obra sobre o íntimo de três mulheres, mas também sobre a transformação de uma sociedade. Através do olhar de cada uma são-nos apresentados fragmentos de um país que vive uma crise de identidade cultural, social e política.




03 março, 2025

Vencedores dos Óscares 2025

 




A cerimónia de entrega dos Óscares decorreu no dia 3 de Março, no Dolby Theatre, em Hollywood, Los Angeles e foi conduzida pelo apresentador Conan O'Brien.

Anora, de Sean S. Baker foi o grande vencedor, arrecadando cinco estatuetas: Melhor Filme. Melhor Realizador (Sean Baker) e Melhor Atriz (Mikey Madison), Melhor Argumento Original e Melhor Montagem. 
O Brutalista, vencedor nas nomeações, ficou com três troféus. 

Destaque para o filme brasileiro Ainda Estou Aqui de Walter Salles, que conquistou a estatueta de Melhor Filme Internacional. Fernanda Torres desempenhou um excelente papel como actriz principal. Muitos tinham-lhe prognosticado o prémio de Melhor Actriz. 


Premiados:


Melhor Filme — Anora, de Sean S. Baker

Melhor Realização — Sean S. Baker (Anora)

Melhor Atriz — Mikey Madison (Anora)

Melhor Ator — Adrien Brody (O Brutalista)

Melhor Atriz Secundária — Zoë Saldaña (Emilia Pérez)

Melhor Ator Secundário — Kieran Culkin (A Verdadeira Dor)

Melhor Filme Internacional — Ainda Estou Aqui, de Walter Moreira Salles Jr

Melhor Curta Metragem em Live-Action — I'm Not a Robot, de Victoria Warmerdam, 

Melhor Filme de Animação — Flow - À Deriva, de Gints Zilbalodis, Matīss Kaža, Ron Dyens,

Melhor Curta-Metragem de Animação — In the Shadow of the Cypress, de Shirin Sohani, Hossein Molayemi

Melhor Documentário — No Other Land, de Yuval Abraham, Basel Adra, Rachel Szor, ...

Melhor Curta-Metragem Documental — The Only Girl in the Orchestra, de Lisa Remington, Molly O'Brien

Melhor Argumento Original — Anora, de Sean S. Baker

Melhor Argumento Adaptado — Conclave, de Peter Straughan

Melhor Banda Sonora Original — O Brutalista, Daniel Blumberg

Melhor Canção Original — El Mal, de Jacques Audiard, Camille Dalmais, Clément Ducal

Melhor Design de Produção — Wicked, de Nathan Crowley, Lee Sandales

Melhor Montagem — Anora, de Sean S. Baker

Melhor Fotografia — O Brutalista, de Lol Crawley 

Melhores Efeitos Visuais — Dune Duna: Parte Dois, de Gerd Nefzer, Stephen James, Rhys Salcombe

Melhor Som — Dune Duna: Parte Dois, de Richard King, Ron Bartlett, Doug Hemphill

Melhor Caracterização — A Substância, de Pierre Olivier Persin, Stéphanie Guillon 

Melhor Guarda-Roupa —Wicked, de Paul Tazewell