Autor: Mia Couto
Título: compêndio para desenterrar nuvens
N.º de páginas: 142
Editora: Caminho
Edição: Outubro 2023
Classificação: Contos
N.º de Registo: (3509)
OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐
Em compêndio para desenterrar nuvens, Mia Couto presenteia-nos com vinte e dois contos que testemunham fragmentos de vida de uma realidade moçambicana actual. Estas estórias entretecem o real e o imaginário, exploram cenários de um quotidiano difícil onde, ainda prevalece a guerra, a miséria, a violência, o analfabetismo.
“A vizinha fazia o luto, tal como fizera o viver: sem que ninguém se apercebesse de que existia.
Sabia-se dela quando, para além das paredes, escutávamos o marido que a espancava e nunca ninguém no bairro se deu ao incómodo de intervir. (…) Acudir, seria, além disso, um imperdoável desrespeito para com o dono da casa.” (p. 23)
Ao longo do livro e nos diversos textos, o autor de forma irónica relata factos e denuncia situações de violência, de alcoolismo, de “raivas milenares”, de “vozes subversivas”, de maleitas próprias da velhice, de “modernices” como as redes sociais e as tecnologias. Denota-se a preocupação do autor com a sociedade, com a guerra, com as pessoas que ainda se encontram enraizadas numa cultura “de um país sem chão”.
Mia Couto usa um estilo poético que lhe é bem particular, contudo, nestes textos distancia-se dos usuais neologismos, que tanto aprecio, e apropria-se de alguns provérbios (“Mais vale ter o tempo como doença do que o futuro como inimigo”) e do uso da oralidade tão característica das estórias africanas.
“Nessa noite, ninguém dormiu na aldeia, as pestanas palpitando como descontrolados ponteiros de um enlouquecido relógio.” (p. 35). É com imagens deliciosas como esta que Mia Couto convida o leitor a mergulhar nas emoções de um povo sofredor, apesar da sua riqueza cultural. Recomendo muito.
Sem comentários:
Enviar um comentário