28 outubro, 2024

A face por trás da máscara

                                                      Foto retirada da Internet, do filme Joker: 
https://disparada.com.br/coringa-otimo-filme-mediano/
 



Desilusão.
Enorme desilusão.

Levo muito tempo a assumir que o relacionamento que tenho com uma pessoa se possa tornar numa verdadeira e sincera amizade. Dou-me bem com a maioria das pessoas com quem privo, quer pessoal quer profissionalmente. Mas quando se coloca a possibilidade de ter um/a amigo/a, fico ali num limbo e não avanço com confiança porque temo a desilusão de não ser correspondida. Torno-me exigente, crio parâmetros elevados e fico atenta aos mínimos pormenores. Este meu carácter vai-se agravando com a idade, no sentido em que vou afunilando as características que exijo para aceitar e retribuir a amizade de alguém.

Esta minha maneira de ser implica que tenha poucos amigos. Mas os que tenho, posso garantir que o são mesmo.

Apesar de todo o meu cuidado (exagerado, dir-me-ão), vou tendo algumas decepções. E, recentemente, esbarrei numa enorme.
No início, parece que adivinhava, foi um percurso difícil de aproximação, de aceitação da amizade. Não foi uma “amizade “ à primeira vista. Como quase sempre, criei as minhas barreiras e duvidei de algumas palavras, de algumas atitudes. Porque, como diz Saramago, “Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos.” E, quando o que somos, é nutrido por algum aparente fingimento, a dúvida instala-se.
Hoje, entendo que essas minhas hesitações iniciais eram óbvias e que devia ter seguido a minha intuição. Ainda me pergunto como, com tanto cuidado que tenho, me deixei envolver e intuí que podia ser uma amizade sincera e recíproca.
Eu, fui ingénua, mas sincera. Acreditei nas palavras, não cudei nos sinais que ia detectando em pequenas acções, em algumas atitudes e que me lembro de ter questionado.
Fui considerada amiga enquanto deu jeito, enquanto havia proveito.
Lamento a desonestidade. Repugno a hipocrisia. Vivi tempos de inquietação, de incompreensão. Perguntar-me-ão se, por perder um/a amigo/a, vale a pena tanto desassossego. Sim, vale, porque, como já o referi, quando escolho ser “amiga” é porque acredito que é um ganho. Mas, desta vez, enganei-me e, recorro a uma citação de Bukowski que, talvez, clarifique o meu falhanço: “Para você, eu era um capítulo. Para mim, você era o livro”. Valorizei em demasia a relação de amizade. 

Passado cerca de um ano, o tempo curou a revolta, amansou a inquietação, mas a tristeza do engano ainda permanece.

Eu sei que “Uma andorinha não faz a Primavera”, mas a vida ensina-me a não colocar as expectativas muito elevadas, a duvidar, a agir com precaução. As pessoas desiludem-me cada vez mais e, isto, é tão válido nas amizades, como nas relações profissionais. As virtudes e os valores humanos estão em défice. 

GR


27 outubro, 2024

𝒄𝒐𝒎𝒑ê𝒏𝒅𝒊𝒐 𝒑𝒂𝒓𝒂 𝒅𝒆𝒔𝒆𝒏𝒕𝒆𝒓𝒓𝒂𝒓 𝒏𝒖𝒗𝒆𝒏𝒔, de Mia Couto

 


Autor: Mia Couto
Título: compêndio para desenterrar nuvens
N.º de páginas: 142
Editora: Caminho
Edição: Outubro 2023
Classificação: Contos
N.º de Registo: (3509)

OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Em compêndio para desenterrar nuvens, Mia Couto presenteia-nos com vinte e dois contos que testemunham fragmentos de vida de uma realidade moçambicana actual. Estas estórias entretecem o real e o imaginário, exploram cenários de um quotidiano difícil onde, ainda prevalece a guerra, a miséria, a violência, o analfabetismo.
“A vizinha fazia o luto, tal como fizera o viver: sem que ninguém se apercebesse de que existia.
Sabia-se dela quando, para além das paredes, escutávamos o marido que a espancava e nunca ninguém no bairro se deu ao incómodo de intervir. (…) Acudir, seria, além disso, um imperdoável desrespeito para com o dono da casa.” (p. 23)

Ao longo do livro e nos diversos textos, o autor de forma irónica relata factos e denuncia situações de violência, de alcoolismo, de “raivas milenares”, de “vozes subversivas”, de maleitas próprias da velhice, de “modernices” como as redes sociais e as tecnologias. Denota-se a preocupação do autor com a sociedade, com a guerra, com as pessoas que ainda se encontram enraizadas numa cultura “de um país sem chão”.

Mia Couto usa um estilo poético que lhe é bem particular, contudo, nestes textos distancia-se dos usuais neologismos, que tanto aprecio, e apropria-se de alguns provérbios (“Mais vale ter o tempo como doença do que o futuro como inimigo”) e do uso da oralidade tão característica das estórias africanas.

“Nessa noite, ninguém dormiu na aldeia, as pestanas palpitando como descontrolados ponteiros de um enlouquecido relógio.” (p. 35). É com imagens deliciosas como esta que Mia Couto convida o leitor a mergulhar nas emoções de um povo sofredor, apesar da sua riqueza cultural. Recomendo muito. 


25 outubro, 2024

F(o)lio 2024 | Festival Literário de Óbidos | Inquietação

 


18, 19 e 20 de Outubro de 2024. Três dias de Inquietação. Três dias de mergulho literário em boa companhia. 
Conversas feitas de palavras... de inquietação... de questionamento... Medo... Luto... Filosofia... Arte.... Humor... de sorrisos... de aplausos... de abraços...  de descobertas... Encontros...
Conversas feitas de música... de histórias contadas e cantadas com chapéus...
Convívio feito de brindes... degustação... chocalate...  palavras... sorrisos... abraços...
Autógrafos... Fotografias... Exposições... Ilustrações... Cartoons... Ecomercado... Tapetes... Beleza... 

Livrarias. Muitas livrarias. Livros. Muitos livros. Palavras leves, belas, pesadas... Muitas palavras...


  

. Madalena Sá Fernandes

. Mónica Ojeda
. Isabel Lucas

. José Luís Peixoto

. Max Potter
. Tiago Ferro
. José Mário Silva

. Orquestra Juvenil da SMRO 
. Inês Fouto

. António Castro Caeiro
. Valério Romão

. Sérgio Godinho
. Luís Afonso
. Cláudia Marques Santos

:Rui Couceiro
. Rafael Gallo

. Luisa Sobral
. Paula Cusati

. José Eduardo Agualusa
. Marta Lança
. Isabel Lucas

. Mia Couto
. Zeferino Coelho

. Juan gabriel Vásquez
. Karina Sainz Borgo
. Luís Ricardo Duarte

. Alberto Manguel
. Irene Vallejo
. António Costa Santos

. Melanie Russo 

. André Carrilho
. João Fazenda
.Pedro Piedade Marques









23 outubro, 2024

Morre lentamente...


  

Morre lentamente quem não viaja,
quem não lê, quem não ouve música,
quem não encontra graça em si mesmo.

Morre lentamente quem destrói o seu amor-próprio,
quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente quem se transforma em escravo do
hábito,
repetindo todos os dias os mesmos trajetos,
quem não muda de marca,
não se arrisca a vestir uma nova cor
ou não conversa com quem não conhece.

Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru.

Morre lentamente quem evita uma paixão,
quem prefere o negro sobre o branco
e os pontos sobre os "is" em detrimento de um
redemoinho de emoções justamente as que resgatam o brilho dos olhos, sorrisos dos bocejos, corações aos tropeços e sentimentos.

Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz,
quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um
sonho, quem não se permite pelo menos uma vez na vida
fugir dos conselhos sensatos.

Morre lentamente, quem passa os dias queixando-se da
sua má sorte ou da chuva incessante.

Morre lentamente, quem abandona um projeto antes de
iniciá-lo, não pergunta sobre um assunto que desconhece
ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.

Morre lentamente...


Pablo Neruda

21 outubro, 2024

𝑶𝒍𝒉𝒂𝒓 𝒑𝒂𝒓𝒂 𝒕𝒓á𝒔, Juan Gabriel Vásquez


Autor: Juan Gabriel Vásquez
Título: Olhar para trás
Tradutor: Vasco Gato
N.º de páginas: 490
Editora: Alfaguara
Edição: Setembro 2021
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3342)

OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐


Olhar para trás entrelaça uma história de vida, a de Sergio Cabrera, realizador colombiano, e a trajetória política da Colômbia e da China do século XX.
Juan Gabriel Vásquez (JGV) mesclando realidade e ficção, de forma sublime, oferece-nos um relato avassalador. Pela voz do protagonista, Sergio Cabrera, percorremos caminhos complexos da Guerra Civil de Espanha, do exílio na América Latina (vários países), da Revolução Cultural da China de Mao e da guerrilha na selva colombiana.

A morte de Fausto Cabrera, pai de Sergio, com 92 anos surge no início da narrativa e é o pretexto para a rememoração de uma vida fascinante repleta de lutas, de convicções, de mágoas, de silêncios, mas também de amor pela família, pela causa política, pelo cinema.
Sergio Cabrera e a sua família (avô, pais e irmã) viveram de forma activa e determinada os ideais de esquerda. Viveram na China para um melhor entendimento da ideologia de Mao e regressaram à Colômbia com o intuito de replicarem os seus conhecimentos, integrando os grupos de guerrilha durante alguns anos.
Decepcionados e desencantados pelas acções do partido comunista, acabam por abandonar a guerrilha e fugir do país. “ A decepção de Luz Elena (a mãe) foi dilacerante. Sentia-se traída pelo partido ao qual entregara os últimos anos da sua vida.” (p. 420). O pai que “era uma figura de renome, da qual a gente do teatro (mas também a da televisão e do cinema) falava com o respeito suscitado pelos pioneiros, ainda que as controvérsias sempre o tivessem rodeado e tivesse tantos amigos como inimigos.” (p. 16).
A morte do pai marca, para o filho, o fim de um ciclo. Sérgio, então em Lisboa, com uma restrospectiva dos seus filmes agendada para Barcelona, decide que não viajará para assistir ao funeral do seu pai, na Colômbia. O seu “lugar é com os vivos, não com os mortos.” (p. 24)

Este livro, Olhar para trás, resgata a memória de um passado doloroso da história colombiana. A partir das conversas que JGV manteve com Sergio Cabrera e a sua irmã Marianella, ao longo de sete anos, e da recolha de testemunhos, o autor constrói a narrativa de uma família devastada e decepcionada pelo fanatismo comunista. A partir dos factos vividos, nas contradições e nas emoções reveladas por Sergio, o autor acrescenta-lhe a sua subjectividade e interpretação e lega-nos um romance brutal que tem tanto de histórico como de vida privada e intima.

No F(o)lio, em Óbidos, JGV referiu que “um romancista não vale nada se não for um historiador de emoções”. Penso que neste romance o conseguiu muito bem porque a sua narração vai muito para além da mera descrição dos factos vividos por Sergio Cabrera. Esta afirmação, também referida por outras palavras, na Nota do autor, clarifica a epígrafe de abertura deste livro:
“Pois, segundo a nossa visão das coisas, um romance deveria ser a biografia de um homem ou de um caso, e toda a biografia de um homem ou de um caso deveria ser um romance” (FORD MADOX FORD)

Recomendo. Li, apenas, dois dos vários livros publicados em Portugal, mas fica a promessa de outras leituras.


13 outubro, 2024

Desafio de escrita criativa lançado por João Pinto Coelho

 


Querem um desafio a sério? Então leiam até ao fim:

Há uns dias, vi esta mulher numa praia às moscas. Chegou cedo ao areal, não se despiu, sentou-se, olhou para o mar e começou a escrever.
Para um romancista, o voyeurismo é tão irresistível como as leituras vorazes, por isso, expondo-me aos vosso insulto, fotografei-a às escondidas.
Usei zoom para os pormenores, preservo-lhe o anonimato.
Vejam a sequência das imagens, uma sequência que se repetiu pela manhã fora:
1 - escreve,
2 - olha demoradamente sei lá para onde,
3 - volta a escrever, olha em frente. (o que a detém? Será sintaxe? Será paixão?)
... e por aí adiante.

Quem é ela?
Para quem escreve?
O que escreve?
Uma carta de amor? de despedida? Com o que sei desta mulher, pode não passar de uma lista do supermercado.
Mas não vos apetece propor outra coisa? Não vos apetece escrever um conto?
Se não vos parecer irresistível, por favor, nem tentem. Será sempre coisa pequena, 1500 palavras, no máximo.
Não sei se precisam de detalhes para a vossa história, mas ela escreve a lápis numa folha azul. E pousa-a num romance…  ou será num livro de poemas?
E se for num livro de poemas, será provável que um deles, se calhar o de abertura, lhe seja dirigido?
Já adivinharam até onde podem ir com quatro fotografias?

Escrevam, partilhem com quem goste de escrever, mandem-me o que fizeram e, se quiserem, publico-o na minha página.

_____________



O resultado:


O mar. Sempre o mar

Era cedo. O sol ainda se escondia para além das nuvens. O mar, no seu vai e vem, cortava o silêncio de uma praia ainda vazia, ou quase.

A mulher chegou num passo decidido, estendeu a toalha, descalçou as sandálias e sentou-se. Repentinamente, tirou do saco um livro e abriu-o para retirar as folhas azuis que lá se encontravam. Com um lápis escreveu, riscou o que escrevera, olhou para o horizonte como se ensaiasse as palavras que ia escrever, respirou profundamente, debruçou-se sobre as folhas e escreveu. Escreveu durante uns longos minutos. Riscou, mirou de novo o mar, e voltou a escrever. Pressentia-se a urgência da escrita.

Maria já antes tinha tentado resgatar no papel as emoções de um longo fim-de-semana passado a dois. O sorriso de M. veio quebrar a monotonia de uma vida arrumada, há muito sem surpresas. Foram três dias de companheirismo, de risadas, de sol, de mar, de desejos saciados. Três dias que passaram num ápice e, provavelmente, sem repetição. M. habitava noutro lugar.

Sentia necessidade de transpor para o papel tudo o que viveu. Pareceu-lhe a única maneira fiável de manter viva essa memória e, quem sabe, um dia, talvez ousasse enviar uma cópia a M.

Em casa, no pouco tempo livre que dispunha, tentou fazê-lo mas faltava-lhe a concentração, achava ela. Desculpou-se com o barulho do autoclismo do vizinho ao lado, com a música do adolescente do piso inferior, com a agitação da rua, com o cansaço do dia de trabalho. O papel permanecia virgem, não era capaz de expressar o que sentira, o que vivera.

Certo dia, levantou-se cedo, não tinha obrigações definidas. Procurou o livro que andava a ler, Mãe, Doce Mar. Há vários dias que não lhe pegava. A cabeça andava desarrumada, as palavras que aí se emaranhavam eram outras. Olhou de novo para a capa do livro e esboçou um sorriso. Pegou nele, colocou no interior as folhas azuis e saiu apressada e convictamente. Como não pensara nisso antes.

Sentada na praia ainda pouco movimentada, as frases que em casa lhe faltaram, surgiram, primeiro, impetuosas e atabalhoadas. Depois, as palavras alinharam-se com as emoções e foi construindo uma história, a sua, que espelhava os momentos vividos e partilhados naquele engate de verão.

Quando pensou ter concluído, satisfeita e orgulhosa, olhou em redor, calmamente e avistou um casal deitado lado a lado. Pensou em M. e gostaria que fossem eles, ali, a saborear o sol ainda fraco àquela hora da manhã. Retirou o olhar e o pensamento e viu, mais atrás, um homem sentado numa toalha com uma máquina fotográfica na mão. Se tivesse olhado mais atentamente, talvez, reconhecesse o autor do livro que tinha no colo e que lhe insinuou o caminho. Um homem hábil nas palavras e caçador de instantes, que lhe captou alguns gestos que mais, tarde, serviriam para uma proposta de desafio de escrita ou, quem sabe, para um novo romance.

Desviou o olhar para o areal e para as ondas que aí se desfaziam suavemente. Respirou a tranquilidade do mar e regressou ao seu texto. Escreveu mais umas linhas, melhorou algumas frases, substituiu algumas palavras. Sorriu aliviada. Perdeu-se nas memórias ainda vivas e alimentou-as com novos ingredientes. Os sonhos eram seus. Ninguém lhos poderia roubar nem mesmo condenar. A sua vida, a partir de agora, alimentar-se-ia de uma nova vitamina. O amor.

Levantou-se e passeou no areal, mesmo junto ao mar, como se acariciasse a espuma das ondas desfeitas, num agradecimento. Demorou-se na sua quietude.

Quando regressou à toalha, pegou no saco, calçou as sandálias e retornou a casa. Tomou um banho, escolheu um vestido alegre e saiu.
Na rua, o sol, agora brilhante, acariciou-lhe o rosto.


30 de Agosto de 2024
GR

10 outubro, 2024

Nobel da Literatura | 2021 - 2024

 




2021 - Abdulrazak Gurnah (1948–) | Tanzânia | Ficção

“Pelo seu entendimento intransigente e compassivo dos efeitos do colonialismo e do destino dos refugiados no abismo entre culturas e continentes”


2022 - Annie Ernaux (1940–) | França | Romance, Memórias, Autobiografia

“Pela coragem e acuidade clínica com que desvenda as raízes, os estranhamentos e os constrangimentos coletivos da memória pessoal”


2023 - Jon Fosse (1959 - ) | Noruega | Drama, Romance

"Pelas suas peças e prosa inovadoras que dão voz ao indizível"


2024 - Han Kang (1970 - ) | Coreia do Sul  |  Romance, Poesia

"Pela sua intensa prosa poética que confronta traumas históricos e expõe a fragilidade da vida humana".


Han Kang vence Prémio Nobel da Literatura 2024

 

                                                         Foto retirada da Internet


 A Academia Sueca distinguiu a escritora sul-coreana, Han Kang, «pela sua prosa poética intensa que confronta traumas históricos e expõe a fragilidade da vida humana» e pela sua «consciência única das ligações entre o corpo e a alma, os vivos e os mortos», inovadora na prosa contemporânea, através do seu «estilo poético e experimental».

Han Kang é a 18.ª mulher a receber o Nobel de Literatura entre os 121 laureados. É a primeira escritora da Coreia do Sul a receber este prémio.
Em 2016, com A Vegetariana venceu o International Booker Prize de Ficção e, em 2018, recebeu o mesmo prémio com O Livro Branco.

A autora tem quatro livros publicados na D. Quixote: A Vegetariana (2007), Lições de Grego (2011); Atos Humanos (2014) e O Livro Branco (2016).



Li apenas um livro da autora - A Vegetariana. A minha apreciação está em   leituras...trilhos...evasões...: Han Kang (fragmentos-lte.blogspot.com) 


06 outubro, 2024

Quantos anos tenho? | José Saramago (?)




Quantos anos eu tenho?
O que importa isso?

Tenho a idade que escolho e que sinto!
A idade em que posso gritar sem temor o que penso,
fazer o que desejo sem receio de errar,
pois trago comigo a experiência dos anos vividos
e a força inabalável das minhas convicções.
Não importa quantos anos tenho,
não quero saber disso!
Alguns dizem que estou velho,
outros afirmam que estou no auge.
Mas não são os números que definem a minha vida,
não é o que dizem,
mas sim o que o meu coração sente
e o que a minha mente dita.

Tenho os anos suficientes para gritar minhas verdades,
fazer o que quero,
reconhecer velhos erros,
corrigir rotas e valorizar vitórias.
Já não preciso ouvir:
“Você é jovem demais, não vai conseguir”,
ou “Você está velho demais, o seu tempo já passou”.

Tenho a idade em que as coisas são vistas com serenidade,
mas com o desejo incessante de continuar crescendo.
Tenho os anos em que os sonhos
podem ser tocados com os dedos,
e as ilusões se transformam em esperança.

Tenho os anos em que o amor,
às vezes, é uma chama ardente,
ansiosa para se consumir no fogo de uma paixão.
Outras vezes, é um porto de paz,
como o pôr do sol que se reflete nas águas tranquilas do mar.
Quantos anos eu tenho?
Não preciso contar,
pois os desejos que alcancei,
os triunfos que obtive,
e as lágrimas que derramei pelas ilusões perdidas,
valem mais do que qualquer número.
O que importa se fiz cinquenta, sessenta ou mais?
O que realmente importa é a idade que sinto,
a força que tenho para viver sem medo,
seguir meu caminho com a experiência adquirida
e o vigor dos meus sonhos.

Quantos anos eu tenho?
Isso não importa!

Tenho os anos suficientes para não temer mais nada,
e para fazer o que quero e sinto.
A idade? Não importa quantos anos ainda tenho,
porque aprendi a valorizar o essencial
e a carregar comigo apenas o que realmente importa!




03 outubro, 2024

𝑵ã𝒐 𝑯á 𝑳𝒖𝒈𝒂𝒓 𝒑𝒂𝒓𝒂 𝑫𝒊𝒗𝒐𝒓𝒄𝒊𝒂𝒅𝒂𝒔, Francisco Moita Flores

 


Autor: Francisco Moita Flores
Título: Não Há Lugar para Divorciadas
N.º de páginas:166
Editora: Casa das Letras
Edição (6.ª): Fevereiro 2005
Classificação: Romance
N.º de Registo: (BE)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐



O que eu me diverti ao ler este livro. À boa maneira de Gil Vicente, e cumprindo o lema “ridendo castigat mores”, em Não Há Lugar para Divorciadas, Francisco Moita Flores (FMF) apresenta-nos uma história mordaz e divertida. Ele eleva ao ridículo a forma como Leônidas Júlio de Tábuas e Távora, um homem sem estudos e sem escrúpulos, se filia num partido e chega a ministro.

A acção desta paródia “decorre trinta anos depois da leitura deste livro.” (p. 76). Esta premissa é importante porque atribui à história um factor de actualidade e de continuidade futura, isto é, como o tempo da história parte do tempo da leitura (pelo leitor) e não da escrita (2003), os acontecimentos estão sempre actualíssimos.

O oportunismo, a hipocrisia, a vaidade e o adultério são os traços principais do protagonista. FMF é corrosivo na criação da sua personagem. Desta forma a política e os governantes, bem como a comunicação social são fortemente ridicularizados. Pela figura de Leónidas, o autor destaca a presunção, a preguiça, a estupidez intelectual, a manipulação e o interesse pelo poder dos políticos de ontem, de agora e de amanhã.

Recomendo este como outros livros de FMF. De leitura fácil, este livro cativa pela ironia sempre presente, pelas farpas lançadas e pelas aventuras dos “comparsas políticos”.
É uma delicia tentar atribuir as características deste ministro a outro(s) dos que nos governam nos nossos dias.