29 agosto, 2024

𝑼𝒎 𝑶𝒖𝒕𝒓𝒐, Imre Kertész

 

Autor: Imre Kertész
Título: Um Outro 
Tradutor: Ernesto Rodrigues
N.º de páginas: 97
Editora: Editorial Presença
Edição: Junho 2009
Classificação: Não ficção
N.º de Registo: (3613)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Um outro é ao mesmo tempo o diário de um escritor em busca de uma identidade criativa e existencial; a crónica de um país também em busca de uma orientação; um conjunto de observações sobre o seu percurso literário, a civilização europeia, e o seu país, a Hungria; notas para futuros romances; lembretes de memórias fugazes de algumas viagens em trabalho; lembranças dos campos de concentração (esteve em dois); reflexões sobre o anti-semitismo, o sentimento nacional, o extermínio, a verdade e a mentira.

Após ter sobrevivido ao Holocausto, Kertész foi basicamente condenado ao silêncio durante quarenta anos pelo partido comunista que na altura acedeu ao poder, tendo os seus livros sido ignorados. Com a queda do muro de Berlim, deixa o seu país e, e vai viver para a capital alemã.
“Abriu-se, assim, a porta da cela em que me fecharam durante quarenta anos, e pode dar-se que seja bastante para me perturbar. Não se pode viver a liberdade onde se viveu o cativeiro”. (p. 10)

Por isso, neste livro Kertész está “numa relação de reciprocidade com a minha (sua) vida. Esta relação tem um nome: sujeição – Se fosse só isso, até ia bem. Mas que fragmento desta vida estilhaçada diz “eu”?” (p. 13) . É um autor em busca de um outro “eu”, isto é, em busca da sua identidade e da compreensão da sua realidade. “Eu, um outro” é um verso de Rimbaud (Je, est un autre) que o autor cita várias vezes ao longo dos seus textos e consta também como epígrafe. Aliás, as quatro epígrafes selecionadas remetem claramente para a problemática do “Eu”.

Ao longo das páginas, os seus apontamentos, apresentados como um caleidoscópio, reflectem claramente a ideia de alteridade. O autor apresenta-nos o seu entendimento do mundo quer através das suas vivências presentes, das suas memórias quer ainda da sua natureza criativa, questionando-se sempre sobre quem é, o que foi a sua vida (“o que é a vida perfeita?”), as suas obras, a sua qualidade como escritor.

Kertész foi considerado de forma crítica por alguns como sendo o “autor do Holocausto”. É um facto que os seus livros desenvolvem essa temática, mas vão muito para além disso. Como já referi, e neste livro fica bem claro, a sua preocupação é o questionamento das ideologias, das ditaduras, do horror, da sua interpretação do mundo.

Posso concluir que Kertész é um homem amargurado e sofredor que vive em constante questionamento, que duvida do que pensa, que não compreende a sua vida, que se autocritica (“ o eu estranho enraizado em mim o moralista que se autojustifica, o criador de fábulas mentiroso.” (p. 75)), que não se interessa pelo ser que é, que não sabe quem é. Mas uma coisa é certa e é ele próprio que a confessa “ tenho uma só identidade, a identidade da escrita.” (p. 46)
Felizmente, que esta identidade existe, pois só assim podemos desfrutar da sua obra. Não é uma leitura fácil. O texto não é cronológico, encontra-se entrecortado (em jeito de apontamentos) e saltita no tempo e nos espaços.

Vou procurar outros livros do autor.



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