21 agosto, 2024

𝑪𝒂𝒓𝒖𝒏𝒄𝒉𝒐, de Leyla Martínez

 


Autora: Layla Martínez
Título: Caruncho
Tradutor: Guilherme Pires
N.º de páginas: 122
Editora: Antígona
Edição: Março 2024
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3579)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Caruncho é uma história que entretece ficção e realidade muito condimentada de sobrenatural, “o combustível da raiva e o motor da fuga possível à musculada mão de aço patriarcal”. Narrada a duas vozes, a avó (a velha) e a neta, tem ainda como protagonista a casa onde vivem.

“Quando passei a soleira da porta, a casa precipitou-se sobre mim. Este monte de tijolos e sujidade faz sempre a mesma coisa, lança-se sobre qualquer pessoa que atravesse a porta e retorce-lhe as entranhas até a deixar sem fôlego.”

Este é o início da narrativa que prende e assusta de imediato o leitor. Que casa é esta? Que personagens vivem nesta casa?
Uma casa assombrada, suja, carunchosa que corrói e destrói. Uma “casa que range, que treme, que se encolhe e agiganta (…) que suspende a soberba dos poderosos e a violência arcaica, porém contemporânea, contra as mulheres”, que guarda sombras e segredos. Uma casa visitada por “anjos perigosos e pouco inocentes”, santos e vozes e lamentos. Uma casa que mantém cativas as mulheres que nela permanecem e por inerência o leitor que se deixa conduzir pela trama e da qual vai sair maravilhosamente perturbado. 
Fará isto sentido? Faz, faz todo o sentido porque, afinal, é da guerra civil espanhola, do período negro do franquismo, de uma Espanha agreste, traumatizada pela violência e pela opressão que a autora nos fala. Só que fá-lo de uma forma sublime. Recorre a fantasmas, bruxas, santos, anjos, maldições para retratar os traumas geracionais, o ódio, o desejo de vingança, a ânsia de punir os opressores.
Na aldeia onde vivem, a avó e a neta são evitadas e temidas pelos habitantes. São bruxas.

Assim, neste romance, as duas mulheres vivem uma pesada herança de memórias dolorosas da qual não conseguem escapar e que, como o caruncho, as corrói e destrói. A raiva, o ódio e o horror patentes na casa, nas paredes, nas portas, nos armários surgem num crescendo ao longo da narrativa e reflectem o ambiente de desespero e de sofrimento de décadas de violência e opressão.

A cada página, o leitor vive intensamente as emoções das personagens e com elas celebra raivosamente a força e a garra pela superação das injustiças sociais e de género, a consumação da vingança, a aniquilação dos poderosos.

Recomendo a leitura e fico à espera do próximo livro de Leyla Martínez.



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