17 junho, 2023

𝑼𝒎 𝑪ã𝒐 𝒏𝒐 𝑴𝒆𝒊𝒐 𝒅𝒐 𝑪𝒂𝒎𝒊𝒏𝒉𝒐, de Isabela Figueiredo

 

Autora: Isabela Figueiredo
Título: Um Cão no Meio do Caminho
N.º de páginas: 292
Editora: Caminho
Edição (2.ª): Fevereiro 2023
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3428)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐




Isabela Figueiredo revela-se exímia em narrar histórias de vida que, aparentemente, e numa primeira abordagem, nada de relevante teriam para nos oferecer. Contudo, através de uma escrita sensível e de uma estrutura interessante, ela eleva a narrativa e enobrece as personagens, construindo uma história emotiva e cativante.

Neste livro conta-nos a história de José Viriato e de Beatriz, vizinhos que inevitavelmente acabarão por confrontar uma existência de encontros, de conflitos, de entre-ajuda. Ele é uma personagem fabulosa que na sua opção de vida perpassa uma voraz sensação de liberdade. Ela é uma amontoadora de bens e de recordações. Ele, atenta às miudezas; contempla o banal; vê beleza em tudo. Ela, espia o vizinho; foge de um passado; carrega uma culpa; vive rodeada de caixas e isolada de tudo. Ele, tem uma paixão por animais, sobretudo por cães. Ela, odeia e teme animais, sobretudo cães. Ele e ela, carregados de histórias tristes e complicadas; desamparados, levam uma vida de solidão.

A autora, numa espécie de epígrafe que intitulou “nota sobre fruta feia”, dá-nos, desde logo, o mote do seu livro:
“Não há vidas melhores do que outras. As maçãs da mesma árvore crescem com diversas formas e tamanhos. Algumas crescem aleijadas. Os sabores da maçã mais bonita e o da maçã aleijada são iguais.”
É evidente que Isabela Figueiredo prefere “as maças aleijadas”, são elas que a alimentam na sua escrita e a conduzem na tessitura da sua narrativa. São elas que extasiam o leitor que vai descobrindo aos poucos as arestas a limar, os poros de onde emanam pequenas partículas impalpáveis de medo, de dor, de culpa, de redenção e por vezes de amor.

Gosto da maneira como a autora trata os seus temas. Simples e sóbria; emotiva e poética; inebriante e arrebatadora. O leitor sente a urgência de uma leitura ávida, na ânsia de descortinar quem são estes seres a quem o capitalismo, a sociedade consumista, votou ao abandono, a quem a política atribuiu falsas esperanças, a quem as pedras se atravessaram no caminho, mas também e, sobretudo, a desvendar “as bengalas que ajudam as pessoas a caminhar sem se magoarem.” No final, percebemos e aceitamos “que ninguém entra na nossa vida por acaso.” E esse ninguém tanto pode ser uma animal como uma pessoa.

Recomendo a leitura para descobrirem quem foi o "intruso" da vida de José Viriato.


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