26 junho, 2023

𝑨 𝒇𝒍𝒐𝒓 𝒆 𝒐 𝒑𝒆𝒊𝒙𝒆, de Afonso Cruz

 


Autor: Afonso Cruz
Título: A flor e o peixe
N.º de páginas: 87
Editora: Companhia da Letras
Edição: Dezembro 2022
Classificação: Fábula
N.º de Registo: (3413)

OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐



A Flor e o Peixe é uma fábula poética inspirada em dois contos de José Saramago”, lê-se na sinopse do livro.

Para quem conhece bem os dois contos do autor nobilizado, O Silêncio da Água e A Maior Flor do Mundo e quem aprecia a escrita de Afonso Cruz, esta frase é o mote desencadeador de uma leitura obrigatória, colocando as expectativas num patamar elevadíssimo.

Obviamente que não saí defraudada. A mensagem de Saramago permanece, conduzida de forma irrepreensível pela escrita e pelas ilustrações de Afonso Cruz.
As palavras e os desenhos completam-se. O contraste do vermelho, preto e branco, de influência oriental (tão ao gosto do autor) é deslumbrante.
A estrutura narrativa entrelaça-se, obriga o leitor a absorver e a olhar o conjunto; impõe-lhe o silêncio “de admiração”, da compreensão da mensagem poética; força-o a questionar-se sobre “a impermanência de tudo, a efemeridade, a indecisão da vida” (p. 30), sobre a morte; transporta-o para um plano metafórico onde a serpente e a aranha tecem reflexões sobre o silêncio, “Há silêncios de muitas espécies, diz a serpente, há-os confortáveis e desconfortáveis, há silêncios que nos são impostos, há silêncios que são barulhos, como a tempestade e o canto das cigarras, e silêncios de admiração, em que se fica sem palavras. “ (pp. 18 e 19); sobre as transformações, os desencontros, os sonhos, o tempo, o espaço, a vida, “Se arrancamos uma flor, diz a serpente, e a pusermos numa jarra, não somos donos dela, mas do seu cadáver, porque já não existe flor, existe apenas a sua imagem, um fantasma que persiste durante uns dias, um fantasma teimoso. (…) Não se apanha um peixe. Apanha-se o resto de um peixe, o que sobra da vida.” (pp. 21 e 22); sobre a beleza, a partilha “ O que é valioso torna-se ainda mais valioso quando é partilhado. Mas
por vezes, a generosidade é uma teia onde se apanham equívocos,
por vezes, a bondade gera nós.
Por vezes, a bondade é um rio. “ (p. 85)

Em conclusão, a narrativa parecendo simples, revela uma profundidade e um grande saber; demonstra a necessidade de viver em concórdia, em simbiose com a natureza; apela à urgência do entendimento, da unidade, da felicidade. O menino e a menina, encontram a beleza da vida “num peixe que não se deixa apanhar e numa flor cheia de sede”. É nos desencontros entre a montanha e o rio que vão descobrir “ a complexa teia que conduz o destino.”

Afonso Cruz oferece-nos um livro maravilhoso que, na minha opinião, só será devidamente compreendido se as palavras e os desenhos forem simultaneamente absorvidos e de preferência no silêncio.


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