30 janeiro, 2023

À 𝑷𝒓𝒐𝒄𝒖𝒓𝒂 𝒅𝒂 𝑴𝒂𝒏𝒉ã 𝑪𝒍𝒂𝒓𝒂, de Ana Cristina Silva

 

Autora: Ana Cristina Silva
Título: À Procura da Manhã Clara
n.º de páginas: 294
Editora: Bertrand Editora
Edição: Maio 2022
Classificação: Romance biográfico
N.º de Registo: (BE)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


À Procura da Manhã Clara  é um romance biográfico sobre Annie Silva Pais, filha do director da PIDE, Fernando Silva Pais e de Armanda (Nita) Silva Pais. O pai que representa a opressão, o fascismo de um Portugal cinzento e pobre é, contudo, objecto do seu amor apesar do antagonismo ideológico que os divide; a mãe representa a futilidade, a hipocrisia e o bem-estar da burguesia durante O Estado Novo.

Annie vive numa constante angústia, primeiro por saber que o pai, o seu herói, é um dos principais responsáveis pela ditadura e repressão instauradas no país e, segundo, por perceber que não é amada pela mãe. Esta antipatia vai manter-se ao longo da narrativa, agudizando-se sempre que Annie toma decisões antagónicas aos ideais dos pais. O carácter de D. Nita está sublimemente caracterizado. A futilidade exposta nos registos que anota na sua agenda, a vaidade que estampa nos vestidos que manda fazer; a aparência elegante e cuidada que mantém no meio em que circula; a inclemência e os ciúmes que tem da própria filha tornam-na numa mulher infeliz e insensível. Este aspecto fica ainda mais patente quando é confrontada com a prisão do marido e com a doença da filha.

Annie educada num ambiente conservador e retrógrado sente-se sufocar. Consciente da sua beleza e inteligência, desejosa de liberdade e de contrariar a mãe, apaixona-se por homens estrangeiros que lhe confirmam as suas já convictas impressões de um país pobre, triste e torturado. Impulsiva, apaixonada e irreverente vai casar-se com um diplomata suíço que a levará até Cuba.
E aí, tudo muda na sua vida. Annie vai viver intensamente a revolução cubana, vai conhecer figuras históricas que deixam marcas indeléveis, vai ter relações fantasiosas e apaixonadas com homens importantes. Vai dedicar-se intensamente à causa, ao ideal de um país completamente diferente do seu.

Gostei imenso desta mulher “impulsivamente apaixonada” pela revolução cubana. A caracterização psicológica de Annie e da mãe, na narrativa, torna este livro emocionante e arrebatador. E é essa densidade que nos revela a natureza impulsiva e corajosa da protagonista, assim como a tensão constante entre mãe e filha, ao longo do romance, nos permite compreender o conflito de classes, a diferença geracional e as políticas instituídas nos dois países.

Outro aspecto que me agradou bastante está relacionado com a estrutura. A inclusão de cartas escritas na primeira pessoa e que nunca foram enviadas, como nos é dado a conhecer no prólogo, que resumem e contextualizam o que vai ser narrado no capítulo seguinte, permite à autora ficcionar um pouco o que foi a vida real e conhecida de Annie. O leitor aceita esses factos narrados como verídicos pois está completamente embrenhado nos conflitos da protagonista e vive de igual forma as suas emoções, desgostos e paixões.

Recomendo muito.


Sem comentários:

Enviar um comentário