06 junho, 2022

𝒆𝒔𝒕𝒆 𝒔𝒂𝒎𝒃𝒂 𝒏𝒐 𝒆𝒔𝒄𝒖𝒓𝒐, de Raquel Ribeiro

 


Autor: Raquel Ribeiro
Título: este samba no escuro
N.º de páginas: 229
Editora: Tinta da China
Edição: Novembro 2013
Classificação: Romance
N.º de Registo: (2934)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Cuba como pano de fundo, ilha promotora de ilusões, de vitórias e de derrotas. Havana desencantada, fracassada, pobre. Povo iludido, revolucionário (alguns), triste, submisso, estropiado, orgulhoso e sonhador. São estes os ingredientes que Raquel Ribeiro nos oferece neste seu belo romance.

Numa mescla de realidade e ficção, onde nem sempre descortinamos os seus limites, o enredo leva-nos para o interior de uma Havana triste e sombria. Aí conhecemos Álvaro e Lia que revelam a genuinidade de um país completamente defraudado dos seus sonhos e iludidos perante o futuro. Duas personagens que se amam, mas que vivem em ideais opostos. Ela é uma militante optimista que acredita na liberdade. Ele vive e reage à realidade, ao dia-a-dia e deseja sair do país.

Álvaro que viaja de uma pequena localidade (Ciego) para Havana, a fim de cumprir dois duros anos de serviço militar, rapidamente percebe que o seu sonho se desvaneceu (“Afinal Havana não era tão livre como a imaginara” (p. 17)). O centro de Havana, onde vive o povo, depressa se revela moribundo, caótico. A autora não se detém na Havana dos turistas, a da periferia, a das belas praias, onde nada falta. A autora cinge-se, e muito bem, à Havana do povo esmagado pela pobreza, pela fome, pela falta de luz, de água, de tudo; à Havana da corrupção, da opressão, da violência, da descriminação racial, da prostituição; à Havana sem soluções, privada de sonhos e de liberdade.

“ O Cerro era o limite entre o que se sabe de Havana e o desconhecido (...) o Cerro era a Havana de verdade, a Havana onde muitos cubanos não se atreveriam sequer a ir, onde se dizia que só havia pretos e criminosos.
Descendo do centro, a cidade começava triplamente a escurecer. Turistas e senhoras brancas de sombrinha, nem vê-los, polícia também não: só mães pretas com crianças e sacos pela mão, pais pretos a engraxar sapatos, jovens suspeitos parados nas esquinas ou sentados sobre o muro, chinelando, para a frente e para trás. De vez em quando ouvem-se tiros, mas a vida continua enquanto a morte não se atravessa no caminho. Os prédios não têm as cores feéricas da Havana da Unesco, as cores quentes do Caribe, o amarelo, o laranja, o rosa choque (...) ” (pp. 60, 61)

Para amenizar o desalento evidente que encontra em Cuba, a autora recorre a versos de Chico Buarque para imbuir a sua narrativa de alguma sensibilidade e esperança. Este samba no escuro (verso do chico) é um romance que põe a nu os contrastes, os desencontros, a ambivalência dos seus habitantes e da própria autora. Numa entrevista que deu ao Jornal i (23/12/2013), assumiu-o claramente “Vivo entre o amor e o ódio muito extremados, relativamente à ilha, às pessoas, ao sistema, à vida (…). Essa ambivalência respira-se todos os dias.”

No final, fica a ideia, apesar de tudo, que podemos acreditar num futuro melhor. Há esperança de que as mudanças possam surgir.



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