22 maio, 2022

𝑨 𝑺𝒂𝒏𝒈𝒓𝒂𝒅𝒂 𝑭𝒂𝒎í𝒍𝒊𝒂, de Sandro William Junqueira


Autor: Sandro William Junqueira
Título: A Sangrada Família
N.º de páginas: 195
Editora: Caminho
Edição: Junho 2021
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3358)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


É o primeiro livro que leio do autor e as expectativas estavam altas. Não desiludiu. A história das famílias Capote e Monteiro é narrada a quatro vozes. Filomena, Ezequiel, Teodoro e Manuel Monteiro são os protagonistas deste “drama-pouco-burguês” que vivem do medronho e que praticam o ódio e a violência, mas também de amor de uma maneira pouco convencional.
“ Duas famílias equidistantes em terras e riqueza, inimigas em medronho, continuam a exercer o ódio e a praticar o rancor. (…) E se ele cair, podre, no chão, não há fermentação nem destilação. E não há aguardente para ninguém. E sem não há substância que nos alimente. O ódio fermentado. O amor destilado” (p. 28)

O enredo desenrola-se na serra de Monchique onde o fogo é um “turista” devorador e recorrente que facilmente anula as ilusões dos seus habitantes e produtores da famosa aguardente de medronho.
Parece uma história banal, não tivesse o autor subvertido a escrita, o enredo, a estrutura, as palavras e até os ditados populares. Num jogo complexo, as quatro personagens, de forma alternada, contam-nos as suas histórias (e as histórias dos outros elementos da sua família), os seus actos, os seus pensamentos, os seus desejos e vinganças.

O conhecimento da história destas duas famílias, que sempre se odiaram, mas que a dada altura se ligam por amor, ou será por ânsia de vingança? (Cabe-vos a vós, futuros leitores, desvendar este enleio) vai ser adquirido capítulo a capítulo, de voz em voz, ora baralhando, ora esclarecendo.
Numa escrita direta, desabrida, vernácula, fragmentada e repetitiva, as múltiplas facetas das personagens desfilam ao longo das 195 páginas e o leitor deixa-se arrastar e seduzir sem por vezes destrinçar a ficção da realidade.
O autor é eficaz nessa ilusão pois ao transpor para as personagens essa dúvida, consegue actuar diretamente no leitor e, assim, confundi-lo. “Quem me dera ser uma personagem e este drama todo, uma ficção” refere Manuel Monteiro (p. 129).
Penso que é graças à presença desta ilusão e à interpelação constante do leitor que a mensagem passa, que a crítica, nem sempre, perceptível se constrói e se interioriza.
“ Se falo disto, se conto estas coisas, é porque dói.
Faltam árvores a este país e ninguém faz nada.
É só palavras, palavras, palavras:
Se não fossem eles, Teodoro, Ezequiel e Filomena, eu não estaria aqui:
Se não fossem eles e o fogo, vocês não estariam aqui.” (p. 75 – voz de Manuel Monteiro)


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