Há muito que não lia Baptista-Bastos. Lamentável! Não podemos adiar escritores que nos revelam uma escrita perfeita, coerente, poética.
Neste livro, conhecemos Jesuina, “a mulher cheia de lágrimas”, e alguns jovens que acolhia em sua casa, as vizinhas, as intrigas próprias de um bairro de Lisboa, a inveja, a maledicência, a dor e a solidão.
“A intriga e a má-lingua são o que há de mais engenhoso na vida. Caminham sem rumo, numa geometria confusa, nascidas do ócio e multiplicadas por uma espécie particular de ódio, de ciúme, de despeito.” (p. 50)
Num livro onde a imaginação e a memória se confundem, o leitor deixa-se facilmente conduzir pelas emoções, pelos lugares dos desejos, das desilusões, do sonho e da solidão.
“ Ela [Jesuina] estremecia, emergia desse oceano antigo habitado por convulsas recordações, suspirava, permanecia largos momentos a recompor-se, reentrava na pobre realidade (…).” (p.22)
A metáfora das Bicicletas em Setembro reproduz magistralmente a efemeridade do tempo “fugitivo e eterno”, a revisitação a um passado que já só existe em recordações e a tentativa de sobreviver à saudade, à perda, à dor e à solidão.
“Sobre as nuvens em Setembro, que formavam círculos e pareciam rodas de bicicletas, quem me dera ir com elas, por esses céus fora, quem me dera.” (p.8)
e
“Por detrás das cortinas das casas que já não há, ela vigia, observa as pessoas que por ali já não caminham, e olha para as nuvens que deixaram de ser rodas de bicicletas no céu.” (p.123)
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