27 outubro, 2020

As Bicicletas em Setembro, de Baptista-Bastos

 


OPINIÃO

Há muito que não lia Baptista-Bastos. Lamentável! Não podemos adiar escritores que nos revelam uma escrita perfeita, coerente, poética. 
Neste livro, conhecemos Jesuina, “a mulher cheia de lágrimas”, e alguns jovens que acolhia em sua casa, as vizinhas, as intrigas próprias de um bairro de Lisboa, a inveja, a maledicência, a dor e a solidão. 

“A intriga e a má-lingua são o que há de mais engenhoso na vida. Caminham sem rumo, numa geometria confusa, nascidas do ócio e multiplicadas por uma espécie particular de ódio, de ciúme, de despeito.” (p. 50)

Num livro onde a imaginação e a memória se confundem, o leitor deixa-se facilmente conduzir pelas emoções, pelos lugares dos desejos, das desilusões, do sonho e da solidão. 
“ Ela [Jesuina] estremecia, emergia desse oceano antigo habitado por convulsas recordações, suspirava, permanecia largos momentos a recompor-se, reentrava na pobre realidade (…).” (p.22)

A metáfora das Bicicletas em Setembro reproduz magistralmente a efemeridade do tempo “fugitivo e eterno”, a revisitação a um passado que já só existe em recordações e a tentativa de sobreviver à saudade, à perda, à dor e à solidão.

“Sobre as nuvens em Setembro, que formavam círculos e pareciam rodas de bicicletas, quem me dera ir com elas, por esses céus fora, quem me dera.” (p.8) 


“Por detrás das cortinas das casas que já não há, ela vigia, observa as pessoas que por ali já não caminham, e olha para as nuvens que deixaram de ser rodas de bicicletas no céu.” (p.123)


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