28 abril, 2020

Rimbaud, o Viajante e o seu Inferno, de Ana Cristina Silva


OPINIÃO


Trata-se de um romance biográfico sobre um dos grandes poetas franceses do séc. XIX e um dos meus preferidos. Arthur Rimbaud influenciou a literatura moderna, apesar de em vida ter sido ostracizado pelos seus pares. 
“ Escrevia e era como se pudessem dizer de mim: «Ele é as próprias palavras. Não há dúvida de que é um sensualista. Sente a poesia como um corpo, cujas sensações só geram felicidade» ”. O poeta proferiu este desejo aquando da escrita do seu poema O barco bêbado /Le bateau ivre.

“As palavras sempre revolveram a cabeça de Arthur como bichos inquietos“. É assim que a autora inicia este seu livro. Cada capítulo é iniciado, em jeito de introdução, pelo narrador logo seguido do testemunho, na primeira pessoa, de algumas figuras que mais influenciaram a vida do poeta. Esta estrutura confere um certo dinamismo à narrativa, já que cada um, incluindo Rimbaud, apresenta o seu relato sobre os factos. A primeira voz é a da mãe, figura severa, fria, sempre aos gritos com o marido e os filhos. Entre ela e o filho vai estabelecer-se uma relação de ódio-amor constante. 

“Os gritos de Madame Rimbaud ocupavam toda a casa e eram sempre excessivos. Os ruídos da infância de Arthur foram os da gritaria da mãe”.

O carácter irascível, insolente e inconstante do poeta é muito influenciado pelo comportamento da mãe. Para se libertar dela e da vida burguesa que têm, o poeta transforma-se num viajante em constante busca de reconhecimento e de fortuna. As fugas constantes de casa para ficar “mais longe de sua mãe” proporcionaram-lhe muitos conhecimentos, adquiridos nos vários países para onde viajava, mas também o levaram ao inferno. A mãe em constante angústia refere que “Gostaria de arranjar maneira de quebrar o encanto das viagens que parecem despertar nele paixões nunca aplacadas”. Rimbaud não suportava o tédio e quando se cansava de um lugar ou de uma pessoa, partia. “Percorria o mundo com a mesma sofreguidão com que um homem sequioso bebe água”. Passou fome, viveu ao relento, adoeceu, palmilhou quilómetros, foi sustentado por amigos, pelo amante, o poeta Paul Verlaine, e quando estes lhe faltavam, recorria à mãe numa tentativa de sobrevivência.

Ana Cristina Silva agarra bem o leitor. A sua escrita poética transmite a dor, a inquietação e o desequilíbrio vividos pelo prodigioso poeta que bem cedo renunciou à escrita. “ A minha reputação era a de uma criatura maldita. Decidi e foi uma decisão definitiva. Passaria a habitar no silêncio e excluiria a poesia da minha alma”.



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