Autor: Mohamed Mbougar Sarr
Título: A Mais Secreta Memória dos Homens
Tradutores: Cristina Rodriguez e Artur Guerra
N.º de páginas: 433
Editora: Quetzal
Edição: Outubro 2022
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3735)
OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐
A Mais Secreta Memória dos Homens, de Mohamed Mbougar Sarr, é mais do que um romance — é uma travessia literária entre o mistério da criação, o silêncio da memória e a revolução da linguagem. A obra debruça-se sobre o desaparecimento de um autor e a busca por uma obra mítica — tudo envolto numa atmosfera de dúvida, silêncio, revolta e beleza que ecoa profundamente no leitor, deixando palavras suspensas, sentidas; legando descrições fabulosas que extasiam; cruzando figuras literárias intensas e enigmáticas.
“De um escritor e da sua obra, podemos pelo menos saber isto: um e outro percorrem juntos o labirinto mais perfeito que possamos imaginar.” (p. 15) E eu acrescentaria também o leitor.
O romance é um labirinto — não apenas narrativo, mas emocional. Há cartas, vozes, entrevistas, críticas, fragmentos de livros que nunca existiram, silêncios. E há perguntas que o atravessam: o que significa escrever quando o mundo te lê com desconfiança? Como pode a escrita — ou um autor — ser “reduzido a uma pele, a uma origem, a uma religião, a uma identidade”? (p. 291)
O enredo foca-se em Diégane Latyr Faye, jovem escritor senegalês exilado em Paris, que descobre vestígios de um romance lendário, O Labirinto do Inumano, escrito por T.C. Elimane — autor maldito, desaparecido, talvez inventado. Diégane decide procurá-lo — o “Rimbaud negro” — e a investigação leva-o por Paris, Amesterdão, Dakar e outros lugares, cruzando-o com figuras literárias como Marème Siga D., a “Aranha-mãe” da escrita. Mas o que ele encontra é muito mais do que um nome: encontra o eco de todos os escritores silenciados, apagados, esquecidos. E eu, leitora, encontrei-me também nesse eco.
A ressaca da leitura ainda perdura em mim. Há livros que não terminam quando viramos a última página; Fica o silêncio preso à última vírgula; Fica o cheiro das páginas impregnado na pele das nossas mãos; Fica a cumplicidade íntima da descoberta; Fica o eco de uma frase lida ou sonhada; Fica o tempo irreal; Fica o leitor suspenso…
A escrita de Sarr é bela, versátil e profundamente poética, com ecos de Bolaño e uma energia narrativa que mistura crítica literária, história colonial e reflexão sobre o papel do escritor. É uma obra que interroga o que é ser autor, o que é ser lido e como a literatura pode sobreviver ao tempo, à crítica e ao esquecimento.
Leitura exigente e intensa. Há frases que parecem sussurradas por fantasmas, outras que gritam contra o apagamento: “Resistam à sombra. Mantenham-se vivos.” (p. 257)
Este livro fez-me pensar nos meus próprios silêncios, nas leituras que me moldaram, nas vozes que me acompanham. Fez-me revisitar o gesto de escrever, o medo de ser lida, a alegria de encontrar um autor que me escuta. Fez-me lembrar que a literatura não é apenas arte — é sobrevivência, é memória, é resistência. E quando o livro termina, o leitor permanece — suspenso entre o que foi lido e o que ainda ecoa.
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