30 setembro, 2025

𝑶 𝑷𝒓𝒆ç𝒐 𝒅𝒂𝒔 𝑪𝒂𝒔𝒂𝒔, de Joaquim Cardoso Dias

 

Autor: Joaquim Cardoso Dias
Título: O Preço das Casas 
N.º de páginas: 62
Editora: Gótica
Edição: Outubro 2002
Classificação: Poesia
N.º de Registo: (3617)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐




O Preço das Casas, de Joaquim Cardoso Dias, é um livro breve, mas profundamente poético. A sua escrita concisa contrasta com uma amplitude emocional que ressoa muito para além do que se lê. Esta obra observa o quotidiano, fixa-se no detalhe através de uma lente crítica e melancólica, revelando o que se esconde por detrás da aparente banalidade dos espaços habitados. Cada verso, por vezes fragmentário, evoca silêncio, hesitação e contemplação. Espelha a fragilidade dos sentimentos, enquanto a simplicidade crua do vocabulário abre espaço para o não dito, para a hesitação que habita entre as palavras.

O próprio título sugere uma dupla leitura: o valor económico das casas e o “valor” existencial - o vivido, o emocional, o íntimo. Cada casa é um corpo que guarda, nas suas paredes, as marcas invisíveis dos que partiram. Um lugar onde o silêncio e a ausência se tornam presença – abrigo e ferida.

Em muitos poemas, há uma tensão entre o gesto íntimo e a ausência, entre o desejo e o esquecimento, entre o corpo e a linguagem. Posso exemplificar com o poema “SEM MENTIR” , o primeiro de todos e um dos meus preferidos.

ainda não sei se o amor esteve aqui de luz acesa
e se caminhou nu toda a noite
pelo tecto do quarto mas
eu tirei a roupa toda bebi água
e não te telefonei
qualquer coisa assim atirou-me de bruços
para o coração e lembrei-me
de te esquecer desde o começo
muito longe e alto nas escadas de incêndio
foda-se como acreditar que te amo
sem mentir


Este poema abre O Preço das Casas com uma força contida e visceral, como se o sujeito poético tentasse decifrar os rastos de uma presença amorosa. O amor é presença incerta - talvez apenas rastro, sonho, memória. A “luz acesa” não ilumina: expõe. E o corpo, despido e silencioso, não se entrega - recusa a comunicação. A imagem da queda emocional é poderosa. O “bruços” sugere vulnerabilidade. E logo a seguir, a lembrança de esquecer torna-se um gesto vivo, como se o amor só pudesse ser verdadeiro se começasse pelo apagamento - mas sem a mentira.
Poder-se-á concluir que este é um amor que se escreve na ausência, na hesitação, na queda. A linguagem é crua, íntima, sem ornamento. E o fecho rasga como uma explosão – uma verdade dita com raiva e ternura.

Li O Preço das Casas como quem entra devagar numa casa abandonada, onde cada verso é uma parede que ainda guarda o eco de quem partiu; como quem descobre o que resta depois de Al Berto. A ausência de Al Berto torna-se presença — como uma casa onde alguém partiu mas deixou “a luz acesa”. (p. 55)

Na minha opinião, há uma continuidade silenciosa entre O Medo e O Preço das Casas: o mesmo gesto de habitar o mundo poeticamente; a partilha de uma escrita marcada pelo corpo - lugar de desejo e de ferida; pela cidade como espaço de desencontro e de errância; pelo silêncio e pela memória.

Se ainda não conhecem a escrita de Joaquim Cardoso Dias, convido-vos a descobri-lo. Ler O Preço das Casas é como acender uma luz num quarto vazio — não para ver melhor, mas para reconhecer os vestígios do que foi vivido. Um ritual de escuta, onde cada palavra hesita, cada silêncio respira.




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