Autor: J. M. Coetzee
Título: A Desgraça
Tradutor: José Remelhe
N.º de páginas: 234
Editora: D. Quixote
Edição (7.ª): Maio 2023
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3484)
Dizem que é a sua obra-prima. Se é a “sua obra-prima”, não o posso confirmar porque ainda não li todos os seus livros. Mas que é uma obra-prima, é com toda a certeza.
Desgraça narra a história de sobrevivência de David Lurie, um professor de Literatura na Universidade Técnica da Cidade do Cabo, África do Sul e retrata o conjunto de tragédias que ocorrem ao longo da obra, numa sociedade decadente.
É pela voz de um narrador colado à pele do protagonista, que nas duas primeiras linhas nos é apresentado David Lurie “Para um homem de sua idade, cinquenta e dois anos, tem resolvido bastante bem, segundo ele, o problema do sexo”.
Desde logo, Coetzee antecipa o problema que conduzirá o professor universitário a uma auto-destruição que por razões óbvias não vou divulgar. Posso, contudo, referir que num país que enfrenta uma tensão sócio racial, pós-apartheid, os preconceitos dominam, a vingança estabelece-se e as acusações sobrepõem-se à realidade. O professor de poesia romântica, homem branco, culto e grande entusiasta da cultura europeia, vai passar por um processo complexo de exoneração. Humilhado perante os seus colegas e alunos decide não se defender e abandonar o ensino. Sai da cidade e vai viver com a sua filha Lucy, numa pequena propriedade rural. A relação não é fácil entre eles. E a situação agrava-se quando David e Lucy são assaltados e agredidos de forma inominável por três homens de raça negra. A partir daqui Coetzee é sublime na exploração dos conflitos raciais marcados pela segregação e pelos costumes geracionais.
(…) foi isso que os invasores conseguiram; foi isso que fizeram a esta jovem confiante e moderna. Tal como uma nódoa, a história espalha-se pela região. Não a história dela, mas sim a deles: eles é que mandam. Como a colocaram no seu lugar, como lhe mostraram aquilo para que serve uma mulher.” (p. 125)
Coetzee, numa escrita incisiva, sóbria e sincera, coloca o leitor numa situação ambígua que, ora sente compaixão pela personagem, ora o critica pelas atitudes e decisões que toma. Ao longo da narrativa e à medida que os problemas se vão avolumando, Lurie não consegue resolvê-los, não consegue resolver-se. Tudo isto faz que o leitor anseie pelo final. E que final. Que metáfora da vida.
Recomendo muito. Para além da força das palavras nos assuntos abordados, gosto sobremaneira da forma como estruturou a narrativa e do recurso ao discurso indirecto livre e aos diálogos curtos e secos que colocam a narrativa num patamar superior.
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