Autora: Patrícia Portela
Título: Hífen -
N.º de páginas: 275
Editora: Caminho
Edição: Abril 2021
Classificação: Romance, Distopia
N.º de Registo: (BE)
OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐
Patrícia Portela na Nota Prévia informa o leitor de que esta obra foi construída a partir de fragmentos e de reflexões num tempo em que a vida estava à beira do abismo, pelo que com estas palavras aguarda o resgate do inferno para onde se encaminhou.
Estamos, assim, perante uma alegoria do mundo. De um mundo doente representado utopicamente pela Flandia, “ o centro do universo com uma geografia impossível”, e o Olival, “o resto do mundo. A sobra. De onde vimos e para onde nunca voltamos.” Assim, do título 𝑯í𝒇𝒆𝒏 - subjaz a ideia de ligação entre as duas regiões. Mas Patrícia Portela não se fica pela simples ideia de união. Ela vai à etimologia da palavra (Hí + Flan) para criar e nos explicar a origem de Flandia (a região) e Flan (o habitante), e com isso desenvolver toda a sua ideia de (des)união entre as pessoas, entre os povos.
No início, estranhamos a estrutura, mas no evoluir da leitura verificamos que há unidade e coerência e tudo fará sentido no final da obra. Na distopia desenvolvida na Flandia (região hifanada) os seus habitantes (os flans) estão normalizados, controlados pelo algoritmo. O ser humano é substituído pela tecnologia.
Esta leitura leva-me a intuir que a imperfeição da sociedade quer seja a da narrativa, a distópica, quer seja a actual, se encontra na ausência de ligação entre as pessoas, na distância entre uns e outros, na falta de afectos, na forma como agimos, como nos “hifenizamos”. Não é em vão que a autora aborda temas como a maternidade, a doença, a emigração, a escrita e a leitura. Temas fundamentais na construção, desenvolvimento e compreensão de uma sociedade.
Patrícia Portela com este livro pretende mostrar a complexidade de uma sociedade que se deixa conduzir, iludir em vez de decidir, de lutar por um futuro mais feliz e atractivo.
É por demais evidente a analogia com o presente em que vivemos subjugados pela tecnologia, pelos algoritmos, pela inteligência artificial e que corremos o risco de “um dia acordar sem palavras”, de perder faculdades, de perder a capacidade de raciocínio. Tudo isto influi no relacionamento entre as pessoas, deixa de haver união e desenvolve-se o individualismo.
Hífen é uma obra de difícil classificação, mas desafiante e perturbadora na medida em que nos faz questionar o presente em que vivemos.
Afinal também nós fomos até ao inferno. Será que fomos resgatados ou permanecemos adormecidos como as crianças Flans? Segundo consta “até à data, na Flandia, nenhuma criança acordou.” E nós?
Sem comentários:
Enviar um comentário