22 novembro, 2022

𝑻𝒓𝒂𝒃𝒂𝒍𝒉𝒐𝒔 𝒅𝒐 𝑶𝒍𝒉𝒂𝒓, de Al Berto

 


Autor: Al Berto
Título: Trabalhos do Olhar
N.º de páginas: 78
Editora: Contexto
Edição: Novembro 1982
Classificação: Poesia
N.º de Registo: (2787)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐


Revisitar a escrita de Al Berto é uma constante e uma necessidade quer por questões profissionais quer pessoais.

Trabalhos do Olhar estabelece uma relação entre a arte e a vida em que o “olhar” é o regulador da sociedade, da cultura, do poder, da ficção; um “olhar” límpido, atento, explicitamente homossexual que pretende subverter as normas instituídas; um “olhar” que transmite o desejo como matéria-prima da escrita, da sua escrita.
Al Berto usa uma linguagem homoerótica, apropria-se de topos da narrativa de sedução, de engate, de voyeurismo como, por exemplo, em “Truque do gato” (p. 29); o “olhar felino” que almeja o outro, o rapaz:
“(…)
espio o anoitecer, por trás das inexistentes cortinas
apercebo o rapaz com a silhueta do gato morto
junto ao peito, o meu olhar tornou-se felino
sorrio à minha ficção quotidiana
pego num lápis e recomeço a escrever”

É a escrita que alimenta Al Berto, que o mantém vivo, que o liga ao mundo por onde viaja “sem rumo”, que lhe acalenta o desejo, que lhe aviva as memórias que subtrai do “papel fotográfico” e que lhe permite todos os “Trabalhos do Olhar”, bem como revelar “escrevo-te a sentir tudo isto” e “não tenho medo de morrer aqui” . Estas revelações provocam no poeta a necessidade absoluta de escrever entre os silêncios onde se estabelece o caos do passar dos dias e onde se encontram as palavras, as imagens, as fotografias que acabam por restabelecer a ordem.

Al Berto escreve sobre sentimentos, sobre corpo(s), sobre memória, sobre solidão e morte, sobre o mar, a noite, a natureza e o cheiro das cidades costeiras, sobre feridas, sobre a escrita
“(…)
a escrita é um marulhar incessante
imito a paisagem como se te imitasse, ou escrevesse
teu corpo dilui-se nos ossos da página, contamina as cartilagens das sílabas
resta-me o fingimento sibilante das palavras
caminho pelo interior das dunas, apago o rasto de tinta acetinada, sou terra num texto onde não encontro água
só noite e um rumor imperceptível no coração
mais nada” (p. 19)

Recomendo! Muito!

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