03 abril, 2022

𝑨çú𝒄𝒂𝒓 𝑸𝒖𝒆𝒊𝒎𝒂𝒅𝒐, de Avni Doshi

 

Autora: Avni Doshi
Título: Açúcar Queimado
Tradutora: Tânia Ganho
N.º de páginas: 286
Editora: D. Quixote
Edição: Agosto 2021
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3321)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


“Mentiria se dissesse que a infelicidade da minha mãe nunca me deu prazer.
Sofri às mãos dela em criança e qualquer dor que, ulteriormente, ela sentisse me parecia um espécie de redenção, um reequilibrar do universo…"

Assim inicia o livro de Avni Doshi. Avni, filha de imigrantes indianos, nasceu nos Estados Unidos, em 1982. Hoje, vive no Dubai e oferece-nos uma história sobre a memória e sobre a relação complicada e instável entre uma filha e sua mãe.

É Antara, a narradora, que o profere e que, de imediato, dá o tom à narrativa. Percebemos que a relação não será pacífica e que talvez haja um acerto de contas entre mãe (Tara) e filha (Antara).

Mas como agir quando tudo se desmorona, quando se perde a capacidade de viver o presente, de recordar o passado, de prever o futuro? É neste desconcerto que Antara nos vai relatando a sua vida, na companhia intermitente da mãe.
Intercalando passado e presente, Antara descreve a sua relação com a mãe. Foca-se nas diferenças, no antagonismo existente entre ambas e na ilusão de se entenderem e de se amarem. Antara é a antítese de Tara.
“A minha mãe tem um nome lindo. Tara. Significa «estrela»… Ela chamou-me Antara «intimidade», não por adorar o nome, mas por se odiar a si própria. Queria que a vida da filha fosse o mais diferente possível da sua. Antara era, na realidade, an-Tara: Antara seria a negação da mãe.” (p. 263)

Numa escrita inteligente e directa com laivos de humor, ironia e sagacidade, vamos acompanhando a vida desta mulher (a vida que ela escolhe viver) feita de altos e baixos, de (des)entendimentos, de rejeição, de desespero, de rancor, mas também de superação, de procura de uma solução, e sobretudo de amor.

Para além da relação de amor e ódio entre mãe e filha que domina toda a narrativa, destaco ainda outros aspectos interessantes como, a problemática da doença, o respeito à identidade, a ambiguidade da maternidade e a diversidade cultural.
“ Nunca estive tão perto de a odiar como nesses anos de adolescência. Desejava muitas vezes que ela nunca tivesse nascido, sabendo que isso me aniquilaria também; percebia que estávamos profundamente ligadas uma à outra e que a destruição dela acarretaria irrevogavelmente a minha.” (p. 214)

No final da leitura, dilacerante, retenho o desespero de uma filha que tenta resgatar a memória de sua mãe como meio de afastar a proximidade da morte, ao ponto de colocar em risco o seu próprio casamento e a sua sanidade mental.
“Nunca me libertarei dela. Está-me entranhada na medula e nunca lhe serei imune.
(p. 285)


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