06 junho, 2020

O macaco bêbedo foi à ópera, de Afonso Cruz



OPINIÃO



O macaco bêbedo foi à ópera é um breve, mas muito interessante ensaio sobre a influência do álcool, da embriaguez, na civilização ao longo dos tempos. Afonso Cruz desenvolve a teoria de que os macacos desceram das árvores para apanhar os frutos maduros que se encontram no chão. Ora, segundo a mesma teoria, os frutos maduros têm mais açúcar, fornecem mais energia e emanam um cheiro a álcool. “O que sustenta a teoria do macaco bêbedo é que o fruto caído e demasiado maduro está em processo de fermentação. Cria etanol. E o etanol viaja pelo ar com facilidade e chega ao nariz de quem procura açúcar. Resumindo: o macaco desce da árvore porque lhe cheira a álcool e isso significa açúcar, energia, calorias, consequentemente um cérebro maior, e muitos milénios depois a possibilidade de ir à ópera.” (p. 14) 

Porém o autor não fica por aqui, para além de demonstrar claramente como tudo isto se processa, o autor foca-se também no desenvolvimento da agricultura, na sedentarização do homem, no fabrico do álcool, sobretudo da cerveja, no consumo do mesmo e no impacto causado no homem e por conseguinte na sociedade.
“Essa mudança teve consequências, boas e más, cabendo a cada um relevar ou obliterar os argumentos que porá na sua balança filosófica, política, social e ética.” (p. 39) 

Para desenvolver a sua teoria deveras surpreendente, pelo menos para mim, o autor lega-nos, ao longo do texto, várias referências a outros livros permitindo, a quem o desejar, o aprofundamento deste tema. Ma o que destaco deste ensaio é a simplicidade e a clareza da escrita, com pinceladas de ironia o que de certa forma facilita a assimilação da informação e torna a leitura cativante. A certa altura, quando o autor desenvolve alguns aspectos causados pela embriaguez, como a loucura, a jovialidade, a demência temporária, entre outros, refere que “ a poesia é uma forma de embriaguez da língua, das palavras, e que o poeta, um pouco como o bêbedo, a criança, o profeta (…) relaciona coisas irrelacionáveis e as transforma em beleza e, mais do que isso, na possibilidade de novas teorias científicas, sociais, políticas e tecnologia.” (pp. 46, 47) 

Ora, foi isto que aconteceu na escrita deste ensaio. Afonso Cruz certamente um pouco embriagado (ele próprio é produtor de cerveja artesanal), ofereceu-nos este delicioso pequeno livro.


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