10 junho, 2020

Luanda, Lisboa; Paraíso, de Djaimilia Pereira de Andrade




OPINIÃO


É o segundo livro que leio da autora. Este, na minha opinião, mais intenso quer na escrita quer na narrativa.
O livro com capítulos curtos poder-se-ia ler num fôlego, mas não, lemos e relemos para melhor absorver o sentido das palavras, que de tão poderosas e simbólicas, nos atingem profundamente. 
O início da narrativa é premonitório. O leitor antevê que não vai ser fácil, que a narrativa irá por caminhos difíceis, duros, emotivos. E de facto assim acontece.

“Se uma história se parece com o corpo de um animal, então pode começar por um calcanhar. O calcanhar esquerdo do filho mais novo de Cartola de Sousa nasceu malformado. O pai deu-lhe um nome helénico, tentando resolver o destino com a tradição.” 

Os protagonistas, Cartola e Aquiles, pessoas simples e de boa fé, partem de Luanda rumo a Lisboa (“a cidade do progresso”) para tratar do calcanhar de Aquiles. Esta viagem, Cartola, o pai, “sonhara com ela uma vida inteira”. E representa a esperança de um futuro mais risonho e a cura do calcanhar do filho. Porém, mais não é do que o trampolim para o desenraizamento, o desencanto, o silêncio, a miséria.
“Pai e filho não enganaram nem a fome nem o frio, mas haviam-nos enfrentado como dois ventos contrários que se disputam num cruzamento. Seis anos passaram sem melancolia.”
“ (…) A história empurrou-os para uma margem sem que dessem conta de que tinham chegado a terra. Postos de parte, não tinham nem a dignidade dos espoliados nem a honradez redutora dos desgraçados. Tinham apenas o heroísmo insuspeito de terem ficado de lado, como ervas daninhas, querubins, migalhas de pão, e a graça de se poderem reerguer fora do campo de visão de quem os soubesse existentes, enquanto clandestinos…”

Esta dureza é atenuada por breves momentos de ternura e de amor presentes nas cartas e telefonemas trocados, de quatro em quatro semanas, entre Cartola e Glória, a mulher, e pela amizade que o unia a Pepe, o taberneiro, e a Iuri, um miúdo de Paraíso, o bairro onde (sobre)vivem. Com o desenvolvimento destas amizades, a esperança reavivou-se. Mas o Fado há muito que estava traçado. 
Recomendo muito. É um livro fabuloso, muito marcante. Djaimilia sabe do que fala e fá-lo muito bem.


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