«(...) Então Joana foi ter com os primos. Daí a uns minutos apareceram as pessoas grandes e foram todos para a mesa. Tinha começado a festa do Natal.Havia no ar um cheiro de canela e de pinheiro. Em cima da mesa tudo brilhava: as velas, as facas, os copos, as bolas de vidro, as pinhas doiradas. E as pessoas riam e diziam umas as outras: "Bom Natal". Os copos tilintavam com um barulho de alegria e de festa. E vendo tudo isto Joana pensava:-Com certeza que a Gertrudes se enganou. 0 Natal é uma festa para toda a gente. Amanhã o Manuel vai-me contar tudo. Com certeza que ele também tem presentes.E consolada com esta esperança Joana voltou a ficar quase tão alegre como antes.0 jantar do Natal era igual ao de todos os anos. Primeiro veio a canja, depois o bacalhau assado, depois os perus, depois os pudins de ovos, depois as rabanadas, depois os ananazes. No fim do jantar levantaram-se todos, abriu-se de par em par a porta e entraram na sala.As luzes eléctricas estavam apagadas. Só ardiam as velas do pinheiro.Joana tinha nove anos e já tinha visto nove vezes a árvore do Natal. Mas era sempre como se fosse a primeira vez. Da árvore nascia um brilhar maravilhoso que pousava sobre todas as coisas. Era como se o brilho de uma estrela se tivesse aproximado da Terra. Era o Natal. E por isso uma árvore se cobria de luzes e os seus ramos se carregavam de extraordinários frutos em memória da alegria que, numa noite muito antiga, se tinha espalhado sobre a Terra.E no presépio as figuras de barro, o Menino, a Virgem, São José, a vaca e o burro, pareciam continuar uma doce conversa que jamais tinha sido interrompida. Era uma conversa que se via e não se ouvia.Joana olhava, olhava, olhava. As vezes lembrava-se do seu amigo Manuel. Um dos primos puxou-a por um braço.- Joana, ali estão os teus presentes.Joana abriu um por um os embrulhos e as caixas: a boneca, a bola, os livros cheios de desenhos a cores, a caixa de tintas. À sua volta todos riam e conversavam. Todos mostravam uns aos outros os presentes que tinham tido, falando ao mesmo tempo.E Joana pensava:-Talvez o Manuel tenha tido um automóvel.E a festa do Natal continuava. As pessoas grandes sentaram-se nas cadeiras e nos sofás a conversar e as crianças sentaram-se no chão a brincar. Até que alguem disse:- São onze horas e meia. São quase horas da missa. E são horas de as crianças se irem deitar.Então as pessoas começaram a sair.0 pai e a mãe de Joana tambem saíram- Boa noite, minha querida. Bom Natal - disseram eles. E a porta fechou-se.Daí a um instante saíram as criadas. (...)»
in A Noite de Natal, de Sophia de Mello Breyner Andresen
Sem comentários:
Enviar um comentário