12 maio, 2025

𝑨 𝑸𝒖𝒆𝒅𝒂 𝒅𝒖𝒎 𝑨𝒏𝒋𝒐, de Camilo Castelo Branco

 


Autor: Camilo Castelo Branco
Título: A Queda dum Anjo
N.º de páginas: 175
Editora: Aletheia / Expresso
Edição: Julho 2016
Classificação: Novela
N.º de Registo: (3057)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐


Actualíssimo. A sátira dos costumes políticos e sociais em A Queda dum Anjo (1865) assenta como uma luva nos dias de hoje.

Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda, 44 anos, morgado transmontano conservador e de verve erudita é o protagonista. Amante dos clássicos ocupa o seu tempo mergulhado nos livros antiquíssimos, fechado na sua biblioteca. Eleito deputado pelo círculo de Miranda muda-se para Lisboa e deixa a sua mulher e prima, a morgada D. Teodora Barbuda de Figueiroa, na terra a cuidar dos bens.
O deputado conservador e defensor do passado, acérrimo crítico ao progresso e às inovações e modas causou grande impacto no Parlamento aquando da sua primeira intervenção. Aplaudido por uns e gozado por outros quer pela linguagem quer pela aparência, Calisto não se intimida, quando um deputado opositor “lhe observou o arcaísmo do traje” e outro gozou com “as botas aguçadas no bico”. Cala-os com sabedoria e ironia.
“Estas passagens, significativas do salgado espírito do provinciano, sobredoiravam a reputação que o trazia nas boas graças da fidalguia realista.” (p. 38)

Com o decorrer da sua estada em Lisboa, Calisto, o anjo, vai perder a pureza da vida provinciana e vai tornar-se homem, ao deixar-se moldar pelos costumes que imperam na capital. Vai envolver-se numa relação com uma viúva, ainda prima afastada, oriunda do Brasil e sucumbe aos vícios da modernidade, deixando-se corromper pelo luxo e pelo prazer.

A temática desta obra centra-se em dois aspectos, na minha opinião.
O primeiro, centra-se na vacuidade do discurso parlamentar e nos excessos linguísticos que evidenciam a presunção de certos deputados, como o Dr. Libório de Meireles. Este tipo de “retórica florida” que indispõem e irritam o protagonista, permite a Camilo Castelo Branco ridicularizar os deputados sem moral e sem talento. Vejamos como ele se serve de Calisto, que diz as coisas à moda velha, com correcção e saber, no parlamento:
“(…) Tomo a liberdade de perguntar a V. Ex.ª se as locuções repolhudas do ilustre colega são parlamentares; e, se o são, peço ainda a mercê de se me dizer onde se estudam tais farfalhices.” (p. 50).
O segundo, foca-se na fragilidade e imperfeição humanas em relação às ideologias individuais e colectivas, mas também à natureza dos casamentos sem amor e às paixões amorosas.
Calisto, o morgado que casara sem amor com uma prima, senhora escrupulosa nos seus deveres domésticos para com o marido e a casa, sempre combateu os seus impulsos de jovem refugiando-se, excessivamente, nas suas leituras. Porém, em Lisboa, acaba por ceder aos impulsos do coração. Conhece, finalmente, o amor e experimenta o ciúme e o desprezo.
“ (…) sentiu no lado esquerdo do peito, entre a quarta e a quinta costela, um calor de ventosa, acompanhado de vibrações elétricas, e vaporações cálidas, que lhe passaram à espinha dorsal, e daqui ao cérebro, e pouco depois a toda a cabeça, purpureando-lhe as maçãs de ambas as faces com o rubor mais virginal.” (p. 73)
(Não é uma descrição maravilhosa? Eu adorei!)

O “anjo” desprezado, perde todas as suas convicções. Até que surge na sua vida a viúva Ifigénia, também ela mal-amada e desamparada.
É neste processo de transformação que a auto-ironia do autor se evidencia, facto que enriquece sobremaneira a narrativa.

Camilo Castelo Branco interpela amiúde o leitor e leva-o a uma identificação com o protagonista, tornando-o cúmplice. Com esta estratégia, pretende mostrar que a queda do anjo é, afinal, a libertação de Calisto, o caminho da felicidade e não da imoralidade.
“Na qualidade de anjo, Calisto sem dúvida seria mais feliz; mas na qualidade de homem a que o reduziram as paixões, lá se vai concertando menos mal com a vida.” (p. 175).
Esta citação final revela evidentes marcas pessoais.

Concluo, reafirmando o meu deleite em ler CCB. Considero-o exímio na novela passional e na sátira social do Romantismo português.


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