15 maio, 2025

𝑪𝒂𝒓𝒕𝒂 𝒂 𝑩𝒐𝒔𝒊𝒆, de Oscar Wilde

 


Autor: Oscar Wilde
Título: Carta a Bosie
Tradutora: Maria Célia Coutinho
N.º de páginas: 108
Editora: Nova Vega
Edição (3.ª): 2022
Classificação: Cartas
N.º de Registo: (3564)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐



Albert Camus referiu-se a esta carta como “um dos mais belos livros que nasceram do sofrimento de um homem. Concordo inteiramente e vou tentar expor a minha apreciação.

Carta a Bosie é um texto de grande carga emocional e filosófica. Escrita durante o seu encarceramento em Reading, condenado por sodomia, é um enorme desabafo de introspecção e dor, mas também de lucidez e auto-conhecimento. Oscar Wilde expõe, de forma brutalmente honesta, as suas reflexões sobre o amor, a traição, o ódio, o sofrimento, a arte e a espiritualidade, além de nos facultar uma análise profunda sobre a sua relação com Lorde Alfred Douglas, isto é, Bosie.
Famoso e reconhecido pelo seu talento, Wilde apaixonou-se perdidamente por Douglas, um jovem vaidoso e mimado de hábitos caros, sofisticados e fúteis.

A sua escrita funciona como uma catarse, um modo de lidar com a humilhação, o sofrimento e a perda (“perdera o nome, a posição, a felicidade, a liberdade, a riqueza” e a mulher e os filhos). A angústia é palpável e intui-se como a desgraça de estar preso molda a sua visão sobre a vida, o amor e até sobre si próprio. A honestidade das palavras torna a crítica dirigida a Bosie, muito feroz. Wilde descreve-o como ingrato, egoísta, preguiçoso e como a principal causa da sua ruína “tanto do ponto de vista intelectual como ético”.

Carta a Bosie reflecte uma análise brutal sobre o amor, o poder e a manipulação. Wilde percebe que a sua devoção não foi correspondida de forma sincera e que Bosie se aproveitou tanto do amor que lhe foi dedicado como dos privilégios (estatuto e dinheiro) que essa relação lhe proporcionou. Essa revelação, aliada ao sofrimento físico e emocional do período na prisão, torna a carta ainda mais angustiante e implacável.

Wilde, exausto e devastado, não se poupa na crítica, lamenta não apenas a sua derrocada, mas também a cegueira que o impediu de perceber, em tempo útil, a verdadeira natureza daquele relacionamento. Mas, ao mesmo tempo, demonstra um certo desejo de que Bosie possa transformar-se. Wilde oscila entre o desencanto e a esperança, entre o rancor e o arrependimento, entre a racionalidade de quem vê a verdade e a fragilidade de quem ainda acredita no poder do amor.
"As pessoas cujo desejo é o da sua própria realização nunca sabem para onde estão a caminhar (…) conhecer-se a si próprio. Esta é a primeira realização do conhecimento. Mas reconhecer que a alma de um homem é incognoscível é a última realização da sabedoria. O mistério último somos nós próprios.” (p. 81)

Em suma, esta carta tão fascinante, tão intensa e pessoal é um testemunho poderoso de dor, arrependimento e reflexão, e um dos textos mais marcantes da literatura auto-biográfica. Wilde parece alcançar algum alívio ao expor a sua dor e a sua frustração, como se ao verbalizar tudo finalmente conseguisse distanciar-se emocionalmente da relação. No fundo, Wilde não escreve apenas sobre Bosie, mas sobre si próprio, sobre a sua ingenuidade e a necessidade de encontrar sentido no sofrimento.


Sem comentários:

Enviar um comentário