Autor: Rafael Gallo
Título: Dor Fantasma
N.º de páginas: 275
Editora: Porto Editora
Edição: Março 2023
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3685)
O enredo centra-se em Rómulo Castelo, um pianista conceituado, que ambiciona o reconhecimento mundial como “um dos maiores intérpretes de Liszt” ao estrear “a peça intocável” pelo seu grau de dificuldade - Rondeau Fantastique - na tournée pela Europa que já tem agendada.
O protagonista é professor universitário de piano. Herdou do pai, um famoso maestro, o gosto e a valorização da música que deve ser praticada com rigor e disciplina para alcançar a perfeição, a excelência. “O zelo exige rigor.”
Rafael Gallo é exímio na condução da sua narrativa. Nas primeiras três páginas coloca o pianista em palco, a tocar Funerais, de Franz Liszt e as expectativas criadas “entre o palco e a plateia” estendem-se ao leitor. São três páginas em que o protagonista “foi a música” e o escritor “foi a escrita”. Ficamos, desde logo, deslumbrados e também preocupados com a antecipação da informação de que será o último recital.
O rigor absorvido ao longo da sua aprendizagem como músico e a obsessão pela perfeição faz de Rómulo Castelo uma pessoa antipática, exigente e intolerante com os alunos e colegas; insensível e cruel com a esposa, Marisa, e o filho, o pequeno Franz (Franzinho) que desde o nascimento “mostrou um desvio”.
Rómulo vive exclusivamente para a música. Em casa, foge da rotina doméstica e tranca-se “na sala de estudos: caixa-forte entranhada na alvenaria do lar, arquitetura da impenetrabilidade. O lugar dele.” (p.20) e isola-se de tudo e de todos. Num mundo só dele partilhado apenas com o seu Steinway e um retrato de Liszt. Um solitário que não entende a vida.
Até que um dia o destino lhe prega uma partida. Avassaladora. Rómulo não vai saber lidar com a nova realidade, com essa dor fantasma (que não vou revelar) e a sua vida regrada transforma-se num caos.
Rafael Gallo dirige a escrita, tal uma batuta, com andamentos intensos e inquietantes. A narrativa, dividida em quatro partes – Coda, Exposição, Desenvolvimento e Cadenza - confunde-se com uma partitura em que as palavras são música e silêncios. O final, então, é fabuloso. O leitor permanece siderado perante a beleza das palavras. E tal como Rómulo Castelo que, sempre que executava na perfeição a sua obra intocável, apontava um orgulhoso “Estala, estala, estala a medida consistente da perfeição.”, também, na minha opinião, se pode aplicar a Rafael Gallo em relação ao seu livro. Equivalem-se, assim, quanto à execução, protagonista e escritor.
Contudo, não posso deixar de referir que por muito que o protagonista se dedique à sua profissão, à música e considerando, ainda, que o autor tenha amenizado a personagem com os seus dramas, não consigo sentir empatia por ela. É inadmissível que uma pessoa que lida com a beleza e a sensibilidade da música não consiga tornar-se mais afável. Pelo contrário, a sua obsessão doentia vai levá-lo a agir sem escrúpulos, a magoar os seus familiares e amigos e vai conduzi-lo à loucura. Assim, o leitor vive um enorme paradoxo. Ora sente admiração pelo professor e músico, ora sente repulsa pelo homem. E é esta ambiguidade que vai manter o suspense e o interesse até ao final.
Para concluir, Dor Fantasma é uma crítica acérrima à busca obsessiva da perfeição, à ambição, à forma como encaramos a vida a partir do “Eu”, das preferências individuais e muito pessoais.
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