26 janeiro, 2025

𝑭𝒐𝒓𝒕𝒖𝒏𝒂, 𝑪𝒂𝒔𝒐, 𝑻𝒆𝒎𝒑𝒐 𝒆 𝑺𝒐𝒓𝒕𝒆, de Isabel Rio Novo


Autora: Isabel Rio Novo
Título: Fortuna, Caso, Tempo e Sorte
N.º de páginas: 727
Editora: Contraponto
Edição: Junho 2024
Classificação: Biografia
N.º de Registo: (3596)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐


No ano em que celebramos os 500 anos do nascimento de Camões, Isabel Rio Novo oferece-nos - Fortuna, Caso, Tempo e Sorte - um livro fascinante que revela um conhecimento profundo do homem e do poeta. O rigor da extensa e minuciosa pesquisa permite-lhe coligir informação dispersa, relacionar fontes já conhecidas, referenciar excertos, poemas, obras, clarificar aspectos pouco aprofundados ou imprecisos e apresentar dados novos. E quando não lhe é possível afirmar com certeza, por falta de dados, a autora interpela o leitor a imaginar a situação ou a decidir por si próprio. Aprecio esta interacção com o leitor, já manifestada numa outra biografia também de sua autoria, já que estabelece uma relação de cumplicidade.

Esta biografia dá a conhecer o homem e o poeta genial que escreveu a obra maior da nossa Literatura – Os Lusíadas. Mas desvenda, sobretudo, o homem de armas, o soldado que lutou com uma espada, que foi um “homem do seu tempo” com os seus “erros, má fortuna e amores ardentes”. Mas não nos iludamos, Camões foi bem mais do que isso e Isabel Rio Novo deixa-o bem claro nas suas páginas que o leitor lê como se fosse um romance.

Se já considerava Camões um dos meus poetas preferidos, agora que deslindei os detalhes de uma vida atribulada e intensa, plena de dificuldades e contradições; que verifiquei o seu entusiasmo e a sua curiosidade em aprender, estudar, ler  autores clássicos e outros do seu tempo; que confirmei a sua prodigiosa capacidade de escrever para si e para outros (por encomenda), de manejar a espada, de conquistar damas da corte e mulheres dos prostíbulos; que aprofundei o meu conhecimento da sua obra; agora, como referia, encaro-o e leio-o com mais admiração. Só lamento, não a vida miserável que teve, porque sendo um homem do seu tempo, outros a viveram e ele próprio a provocou, mas, lamento, os poemas, as obras que, certamente, se perderam no decorrer das suas desventuras.

Concluo, convidando-vos a descobrir esta belíssima obra escrita de forma exímia pela Isabel Rio Novo que tão bem soube elevar a beleza e a genialidade do poeta e demonstrar as fragilidades e infortúnios do homem que viveu “um momento excecional da história da humanidade” e nos deixou um legado literário único e extraordinário.


25 janeiro, 2025

Ainda Estou Aqui, de Walter Salles

 

2024 | 136 min | Drama, Policial | M/12 | França, Brasil
Direção: Walter Salles
Elenco: Fernanda Torres, Fernanda Montenegro, Selton Mello



Com a interpretação de Eunice, Fernanda Torres tornou-se a primeira actriz brasileira a ganhar um Globo de Ouro – depois de, 25 anos antes, a sua mãe, Fernanda Montenegro (que aqui interpreta a mesma personagem na velhice, já com sinais da doença de Alzheimer​), ter sido nomeada com o filme Central do Brasil, também de Walter Salles e vencedor na categoria de melhor filme estrangeiro.


Opinião

A sétima arte tem o poder de fazer coexistir o horror e a beleza. Em Ainda Estou Aqui está reflectida a realidade de um país que vive o medo da tortura e da morte sob o jugo de uma ditadura militar (1970), bem como a luta pelos direitos humanos e o amor à vida.

Walter Salles oferece-nos uma emotiva recriação de Eunice Paiva (interpretada magistralmente por Fernanda Torres) esposa do deputado Rubens Paiva, desaparecido e morto durante a ditadura militar.

Ao longo de duas horas e alguns minutos acompanhamos suspensos a transformação de Eunice que, enquanto lida com o processo que envolve o desaparecimento do marido, tem de desempenhar a difícil tarefa de ser mãe de cinco filhos. Eunice é uma mulher de garra que se entrega intensamente à luta pela verdade. São brutais os momentos em que a protagonista, vivendo no sofrimento de (mais) uma revelação, tem de sorrir ou acudir a um dos filhos.

Fernanda Torres é fabulosa na interpretação de Eunice Paiva. Não há exageros, não há exploração das situações. Pelo contrário, há silêncios, olhares, sorrisos, muita sensibilidade. Há a demonstração da importância de manter viva a memória de um passado violento e de alimentar a reflexão sobre um legado que ainda ecoa na sociedade brasileira, mas não só.




23 janeiro, 2025

A Verdadeira Dor, de Jesse Eisenberg

 


2024 | 90 min | Comédia Dramática | M/12 |  EUA, Polónia
Realização: Jesse Eisenberg
Elenco: Olha Bosova, Banner Eisenberg, Kieran Culkin, Jesse Eisenberg



A Verdadeira Dor transporta-nos para a Polónia através do olhar e das emoções de um grupo, mas sobretudo de dois primos, David e Benji, que pretendem descobrir a história da sua família judia e revisitar a cidade onde a avó viveu. Enquanto o grupo viaja por Varsóvia, por Lublin e pelo campo de concentração de Majdanek, assistimos a momentos divertidos e a outros de profunda reflexão sobre o sentido da vida.

Destaco o equilíbrio entre as brincadeiras e o respeito pelos locais visitados. Apesar das piadas e dos comportamentos intempestivos de Benji, que contrastam com o politicamente correcto do seu primo David, acabamos por aceitá-los como momentos de vulnerabilidade emocionais. 

É um excelente filme que aborda a problemática do Holocausto numa perspectiva engraçada, mas profundamente comovente e que nos convida à reflexão.


 


20 janeiro, 2025

Olhares sobre Al Berto | desafio de escrita

 Premissas: 



11.01.2024                                                                                      Sines 


O mar está cor de chumbo. Os barcos ondulam silenciosamente. Eu, sentada no muro da praia, afundo-me em pensamentos e, maquinalmente, acompanho o voo triste de uma gaivota. Também ela sofre com a ausência do sol reflectido no mar intenso.
Seguro o olhar vazio no ponto branco que se afasta. Retenho as lágrimas que contrariam o desconcerto do riso que, subitamente, me assola.
Permaneço (in)quieta perante a (in)certeza do (a)mar. 

GR






19 janeiro, 2025

Eugénio de Andrade | Dia de aniversário (19.Jan. 1923)

 



Procuro-te

Procuro a ternura súbita,
os olhos ou o sol por nascer
do tamanho do mundo,
o sangue que nenhuma espada viu,
o ar onde a respiração é doce,
um pássaro no bosque
com a forma de um grito de alegria.

Oh, a carícia da terra,
a juventude suspensa,
a fugidia voz da água entre o azul
do prado e de um corpo estendido.

Procuro-te: fruto ou nuvem ou música.
Chamo por ti, e o teu nome ilumina
as coisas mais simples:
o pão e a água,
a cama e a mesa,
os pequenos e dóceis animais,
onde também quero que chegue
o meu canto e a manhã de maio.

Um pássaro e um navio são a mesma coisa
quando te procuro de rosto cravado na luz.
Eu sei que há diferenças,
mas não quando se ama,
não quando apertamos contra o peito
uma flor ávida de orvalho.

Ter só dedos e dentes é muito triste:
dedos para amortalhar crianças,
dentes para roer a solidão,
enquanto o verão pinta de azul o céu
e o mar é devassado pelas estrelas.

Porém eu procuro-te.
Antes que a morte se aproxime, procuro-te.
Nas ruas, nos barcos, na cama,
com amor, com ódio, ao sol, à chuva,
de noite, de dia, triste, alegre - procuro-te.


Eugénio de Andrade




13 janeiro, 2025

Falta-me tempo ...

 



Senhor da Asma

deitado há muito tempo - o cigarro luzindo
como um olho de tigre vindo da noite e
lá fora
ainda se percebe a húmida incandescência das frésias
o rumor surdo de vozes pelo jardim onde
a florida macieira se recorta no intenso céu de verão.

mais além
o rouxinol a madressilva
a sebe de pilriteiros
a brisa de um mar invisível - aflora-te a boca
arde no coração
a memória álgida dos limos dos casinos das praias
saturadas de sal e de sedução

mas nada é perfeito - nem o magnífico chapéu
de mademoiselle de noailles nem os dias que
aos ziguezagues vão passando iguais e monótonos
falta-me o tempo para procurar o tempo perdido
e não estou deitado na recordação da infância
confesso
que odeio escrever cartas ou enviar recados

ando há uma semana arrumando livros - comovido
acabei agora mesmo de sacudir
o pequeno novelo de poeira acumulada
no interior das páginas do senhor da asma

por hoje é tudo


Al Berto



11 janeiro, 2025

Al Berto | Dia de aniversário (11.Jan.1948)


 



 


ELE bebe vinho, pousa as palavras lentamente, semeia-as no interior do caderno de capa preta
sente a resinadas árvores nos dedos, a língua enegrecida pelo desejo
lambe as ervas reclinadas dos campos, as coxas abertas da noite, o orvalho nasce-lhe da boca
     qualquer coisa continua a explodir , amarinha-me pelo ventre
um astro de paredes frias por onde enfio o sexo... todos os buracos do texto se enchem de lava
são longos caminhos aveludados
o puto vomita, nenhum som na amanhã que aconteceu..., 
a língua continua impregnada de ópio esquecido, sono das papoulas, madrugada de crianças geométricas
do outro lado da cidade, aquele onde não vivemos, tudo acordou normalmente   

   
  




05 janeiro, 2025

𝑴á𝒒𝒖𝒊𝒏𝒂 𝒅𝒆 𝑬𝒔𝒄𝒓𝒆𝒗𝒆𝒓 𝑺𝒆𝒏𝒕𝒊𝒎𝒆𝒏𝒕𝒐𝒔, de Inês Meneses

 


Autora: Inês Meneses
Título: Máquina de Escrever Sentimentos
Ilustradora: Maria Inês
N.º de páginas: 79
Editora: Contraponto
Edição: Novembro 2023
Classificação: Textos/Poesia
N.º de Registo: (3593)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Este pequeno livro em número de páginas e em formato fez-me companhia nos últimos dias do ano e nos dois primeiros deste novo. O dia 2 é, para mim, um dia de memórias tristes e este livro funcionou como uma terapia, como “uma cadeia mágica entre mães e filhas”, como escreveu a autora na sua dedicatória. Vou guardá-lo na minha mesa-de-cabeceira porque é um livro sobre emoções, sentimentos, memórias, saudades e descobertas ao qual voltarei sempre que a urgência de carregar energias me desassossegar.  

Máquina de Escrever Sentimentos é-nos apresentado em forma de “diário”, sem data, apenas ordenado numericamente, sem qualquer ordem específica. São 111 textos curtos sobre sentimentos, reflexões, pensamentos, inquietações e constatações. Uns escritos normalmente, com frases destacadas a negrito, outros destacados com letras enormes, alguns complementados por ilustrações belíssimas de Maria Inês, a sua filha. A título de exemplo, o texto 42, contém 6 palavras e ocupa três linhas de uma página e diz o seguinte em letras enormes “ As mães deviam viver para sempre.” (p. 30) Bonito sentimento com o qual me identifico e que é o motor deste maravilhoso livro.  
Estamos perante uma escrita sensível, sincera e poética que transborda de emoções, que partilha manifestações de amor, de carinho, que luta contra a dor da perda, que tece as “Saudades de desenhar no frio da manhã, as palavras que nunca verbalizei. Há palavras que só ficam escritas na nossa cabeça.” (35 – p. 24)

Inês Meneses expõe de forma exímia o seu mundo. O mesmo mundo que partilhou com a mãe e que agora inclui a filha, a quem lega ensinamentos que foi inferindo: “Foi preciso ser crescida para descobrir qua amo a natureza e que as lições de vida começam e acabam nela. Vamos cheios de pressa a lado nenhum.” (98 – p. 69).
Estes textos, aparentemente simples, que também expõem os nossos mundos, confundem-nos positivamente a alma, avivam-nos saudades, memórias bonitas, dolorosas e, sobretudo, destacam-nos a importância do amor, da amizade, da descoberta de si-próprio, do papel da natureza na vida humana.


04 janeiro, 2025

Os últimos a chegar cá por casa | Dez.


 

📚📌 O Mundo, Simon Sebag Montefiore; Editora Cítica; Tradução: Constança Paiva Boléo e António Júnior; Lisboa; 2023; 4.ª edição (2024); 1294p.

📚📌As Sete Carruagens, André Fernandes; Manuscrito; Lisboa, 2024; 163p.

📚📌Dedico-lhe o Meu Silêncio, Mário Vargas Llosa; Quetzal Editora; Tradução:Cristina Rodriguez e Artur Guerra; Lisboa; 2024; 252p.

📚📌visitar amigos e outros contos, luísa costa gomes; D. Quixote; Alfragide; 2024; 2.ªed; 227p.

📚📌Minha Senhora de Mim, Maria Teresa Horta; D. Quixote; Alfragide; 1971; 3.ª ed (2023); 93p.

📚📌 Escrito no mar - Livro dos Açores, Manuel Alegre; fotografia: Jorge Barros; Sextante Editora; Lisboa; 2007; 2.ª ed (2008); 54p.

📚📌 Florbela Espanca, Agustina Bessa Luís; Guimarães Editores; Lisboa; 1984; 227p.


02 janeiro, 2025

Mãe | Saudades

 

  


47
Foi a minha mãe que me ensinou a amar as flores. Todas a fascinavam: as caídas, as imperfeitas, as que perdem o brilho por desgaste, as que não duram muito, mas são vibrantes no momento. A minha mãe tocava-lhes como se as tratasse por  «tu». No fundo, amava as flores e as pessoas da mesma forma.

in Máquina de Escrever Sentimentos, Inês Meneses, p. 34



01 janeiro, 2025

Regresso | Maria Teresa Horta

 



Regresso para mim
e de mim falo
e desdigo de mim
em reencontro

os pontos
um por um:

o sol
os braços

a boca
o sabor

ou os meus ombros

Trago para fora
o que é secreto
vantagem de saudade
o que é segredo

Retorno para mim
e em mim toda
desencontro já o meu regresso