Foto de Paulo Pereira
Cumprimento
todos os presentes.
Quero agradecer o convite formulado
pela Ana Zorrinho para estar ao seu lado nesta iniciativa de partilhar palavras
poéticas.
Quero congratular a Liliana Rodrigues
e os elementos da sua equipa por nos proporcionarem este momento e este espaço
maravilhoso. É tão bom falar de poesia num ambiente de fotografias de mulheres
com livros.
É um prazer enorme assinalar o Dia Internacional da Mulher
partilhando convosco as palavras escritas e ditas pela Ana Zorrinho. Ela sabe
que é verdade.
Este dia, 8 de março de 2024, é
duplamente importante porque celebramos os 50 anos do dia “em que emergimos da
noite e do silêncio” como o imortalizou Sophia de Mello Breyner no seu poema 25
de Abril
Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
e porque estamos a dois dias de exercer um acto cívico e democrático (direito conquistado pelas mulheres).
Acabámos de ouvir publicamente uma jovem, a Catarina, a tocar violino e uma mulher a ler a poesia que escreveu. Em 1943, no boletim mensal da Mocidade Portuguesa Feminina, publicava-se o seguinte texto (apud A Boneca Despida, Paulo M. Morais)
"Queridas raparigas! Sede boas, sensatas, alegres, dedicadas, esquecidas de vós mesmas e sereis mulheres superiores, sem pretender rivalizar em tolas superioridades com os homens, o que nada vos engrandece, antes diminui! Cada um deve ocupar o seu lugar - aquele que a Providência lhe marcou. E o vosso, como rainhas do lar, é o mais belo."
Este estatuto de "fada do lar" prolongou-se até 1974. A Ana Zorrinho nasceu em 1978. Já a madrugada era inteira e limpa. Este facto permitiu-lhe crescer em liberdade, frequentar a escola, ler, escrever, pensar, sorrir, sonhar e entender o mundo “como poder ser o lar que a palavra espera” como o escreveu e acabou de ler no prefácio de Súbito.
No seu primeiro livro Histórias de um tempo só, a Ana, sem o ter vivido, oferece-nos histórias desse tempo, sombrio, histórias de vida tecida, de momentos, de memórias. Micro histórias de gente trabalhadora, sofrida, enrugada, cansada, resignada. Dez textos de um tempo “frio, cortante”, ventoso, escuro, silencioso, sem palavras. Um tempo indiferente à dor, à violência, à solidão, à velhice, à morte…
(Leitura do texto "Maria". p. 13, por Sónia)
Quando em Julho na Festa do livro me vi com Súbito na mão, observei-o atentamente, (gostei da apresentação) folheei-o, li na diagonal alguns poemas, tentei perceber a razão do título e na contracapa procurei alguma informação extra, uma sinopse. Deparei-me com algo pouco comum: o significado da palavra Súbito. Fiquei a matutar…. E pensei: É natural, a Ana é assim mesmo, gosta de surpreender o leitor. Gosta de o conduzir na descoberta de sentidos, de emoções, convoca-o a participar ativamente, não lhe facilita a vida porque nem tudo é dito. O mais importante fica mesmo nas entrelinhas.
Era necessário, obviamente, ler os poemas.
Voltei ao início e li o primeiro poema “palavras” (p. 9). Este sugere, desde logo, uma leitura expressiva, sentida, impetuosa (súbita), silenciosa, … fui até ao fim do livro e descobri “palavra nascente” que nos remete para a importância do nascer, como um recomeço.
Leitura do poema (p. 73- Ana)
Na leitura e releitura dos restantes poemas deixei-me conduzir pelas palavras, pela escrita visual, sensível e sensual.
(Leitura do poema “lugar” p.11, por José)
Descobri um ritmo variável, vagaroso, torrencial, deslizante, reflexivo, súbito…. Gosto desta volubilidade.
(leitura do poema “último poema” p. 67, por Paulo)
Este “último poema” sugere o fim da vida, mas é apenas o fim que conduzirá forçosamente ao recomeço. Esta circularidade da vida expressa nas Palavras contidas nos títulos e nos poemas, como já referi, torna-se mais consistente se tivermos em conta a existência de um fio condutor que é o Tempo. O Tempo surge na espera, na solidão, na brevidade da vida, na morte, na ausência, na verdade, na suspensão (“Oh ampulheta/Inclina-te um pouco/Suspende o cair do grão” (p. 45), na saudade, no mergulho, na esperança, no silêncio, no prazer, na cadência, no vazio da escrita pasmado em "vértice" (p. 51)
No extremo do vértice
Vejo plenamente o vazio a 360 graus
Flicto-me para o salto
Sobre o limite
da linha
Mergulho no nada
Desta página em branco
Afogo-me
Nas palavras inexistentes
O drama do escritor perante a página em branco e nas palavras inexistentes, transborda para mim, leitora, em magia, deslumbramento. Não me canso de o ler. De os ler, todos.
Para concluir posso afirmar que a subjetividade presente na escrita da Ana exige do leitor uma participação efetiva, oferecendo-lhe múltiplas leituras. Súbito cumpre, deste modo, o propósito da poesia.
8 de Março de 2024 | 21h30 | Centro de Exposições
Centro de Artes de Sines
Graciosa Reis
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