07 janeiro, 2024

𝑨 𝑪𝒂𝒔𝒂 𝒅𝒂𝒔 𝑩𝒆𝒍𝒂𝒔 𝑨𝒅𝒐𝒓𝒎𝒆𝒄𝒊𝒅𝒂𝒔, de Yasunari Kawabata

 


Autor: Yasunari Kawabata
Título: A Casa das Belas Adormecidas
Tradutor: Luís Pignatelli
N.º de páginas: 158
Editora: D. Quixote
Edição (4.ª): Julho 2021
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3320)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


A Casa das Belas Adormecidas é um romance fortemente perturbador centrado num universo fechado, sinistro e misterioso, envolto em segredos, frequentada por “cavalheiros de idade”, isto é, “clientes no inativo”, também referidos como “velhos inativos”.

A narrativa na terceira pessoa descreve as noites que o velho Eguchi, de 67 anos, passa na casa. Sem qualquer julgamento, a história oscila entre a descrição pormenorizada das jovens adormecidas, à reflexão inerente ao desejo e aos sentimentos do velho Eguchi e às recordações das relações com outras mulheres da sua vida.

“E evite, peço-lhe, as brincadeiras de mau gosto, por favor. Não tente meter os dedos na boca da pequena que dorme! Não é de bom tom!”, recomendou a hospedeira ao velho Eguchi.” (p. 13). Com esta advertência inicial, fica claro que os frequentadores, velhos, como já citei, estão impedidos de ter relações com as jovens, muito jovens e virgens, porque elas estão dopadas para não acordarem e eles estão sexualmente impotentes. Assim, entende-se que o objectivo da casa é revitalizar homens que, decadentes, precisam iludir a sua virilidade, “ruminar tristemente as saudades da sua juventude perdida” (p. 103)

Apesar da sensibilidade e da elegância presentes na escrita da narrativa, esta é perturbadora e simultaneamente fascinante porque, na minha opinião, no universo erótico descrito, a mulher é desumanamente “abusada”, coisificada, na medida em que está totalmente nua e profundamente adormecida, como se fosse uma boneca, permitindo ao homem que frua de uma noite ao seu lado, que lhe admire o corpo, que a acaricie, e sinta o seu odor corporal. É nisto que reside a perturbação. Na cumplicidade leitora de assistir à contemplação da jovem pelo olhar do “velho inativo” que Eguchi ainda não é, de acompanhar o fluir dos seus pensamentos que tece fantasias e recorda vivências eróticas anteriores.

Assim, erotismo, decadência, solidão, memórias, velhice e morte - materializada no assombro do último sono - entretecem-se habilmente e de forma perfeita. A apreensão destas questões associada à reflexão que delas inferimos ao longo da leitura é facilmente transposta pela descrição sublime das belas adormecidas intocáveis. E no final, o leitor “aterrado e entontecido” e com imensas dúvidas sobre esta forma de lidar com a sexualidade na terceira idade, acaba por se render à beleza da escrita. Uma escrita que segundo Yukio Mishima (introdução) é fragmentária e erótica já que nos oferece cada detalhe, cada sensação, cada fantasia “ É admirável a precisão, a extrema elegância no pormenor, com que Kawabata descreve a primeira das «belas adormecidas» com que o sexagenário Eguchi passa a noite – como se fossem as palavras a acariciá-la.” (p. 10)



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