01 março, 2021

𝙊 𝘿𝙚𝙡𝙛𝙞𝙢, de José Cardoso Pires


Autor: José Cardoso Pires
Título:O Delfim
N.º de páginas: 363
Editora: Moraes
Edição: 1.ª- Maio 1968 - 7..ª  - Janeiro 1978
Classificação: Romance
N.º de Registo:184


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


A leitura de O Delfim, considerada a melhor obra do escritor, foi um autêntico deleite linguístico. Muito bem escrito, num tom bem-humorado e repleto de ironia, transporta-nos para uma pequena localidade, Gafeira, onde nada de importante acontece a não ser a caçada anual.
“Aí vai a dona da pensão: um mastodonte. Acaba de sair por baixo da minha janela, carregada de gorduras e de lutos, e calculo que de boca aberta para desafogar o seu trémulo coração. Atravessa a rua perseguindo a criada-criança, como é hábito. Entra no café: mal cabe na porta. Tem cabecinha de pássaro, dorso de montanha. E seios, seios e mais seios, espalhados pelo ventre, pelo cachaço, pelas nádegas.” (p.39)

É nesta magnífica encenação que o leitor vai tomar conhecimento, pela voz do escritor-caçador, de uma história de crime e mistério que ocorreu na lagoa da aldeia.
“Cá estou. Precisamente no mesmo quarto onde, faz hoje um ano, me instalei na minha primeira visita à aldeia e onde, fui anotando as minhas conversas com Tomás Manuel da Palma Bravo, o Engenheiro.” (p.9) e acrescento eu, O Delfim.

Gafeira, terra de uma família tradicional e privilegiada, dona de uma lagoa mítica, é então o palco do passado, das lendas, dos rumores, das sombras, das superstições, onde a sua população vive uma existência rural, alheia ao progresso, apesar das marcas de modernidade que vão surgindo, e confinada em si mesma, onde misticismo e realidade muitas vezes se confundem.

Este livro, publicado em 1968, é uma verdadeira caricatura do Estado Novo e simboliza, por excelência, o tempo da decadência, o fim de um regime, muito bem plasmado em Palma Bravo, O Delfim, que sem poder ter filhos, representa o fim de uma linhagem, em Maria das Mercês, sua mulher, que morre afogada na lagoa, na própria lagoa que adquire características fantasmagóricas e no narrador que insone no seu quarto desfila em pensamento o passado e o presente, as conversas que teve com os habitantes da aldeia e os acontecimentos que ocorreram, sem todavia desvendar o mistério das mortes.

Se ainda não vos convenci a ler este livro, deixo mais dois excertos que considero magníficos:
Falta uma vírgula na paisagem:
E a tarde escorre sem estremecer. Nem um golpe de ar, nem um pássaro, um ruído ao menos a descer dos montes pela estrada. Isto, no fundo, é morte. Podia-se pôr uma cegonha na torre da igreja – seria a vírgula. Um pescoço longo e curvo. Espalmado no ar sobre o largo.” (pp.136 e 137)
e
“«Mulher inabitável…» Gosto, é frase altiva, a prumo – de título para alegoria:
A MULHER INABITÁVEL
Na brancura de uma folha de papel (que é indiscutivelmente um território de sedução, um corpo a explorar), no centro e bem ao alto, planta-se a frase. Ela apenas, o título, como um diadema de dezassete letras.” (p. 139)




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