22 março, 2021

𝙑𝙖𝙡𝙚 𝘼𝙗𝙧𝙖ã𝙤, de Agustina Bessa-Luís




Autor: Agustina Bessa-Luís
Título: Vale Abraão
N.º de páginas: 273
Editora: Relógio d'Água
Edição: 7.ª- Setembro 2017
Classificação: Romance
N.º de Registo: 3162

OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐


Em Vale Abraão, deparamo-nos com uma releitura de Madame Bovary, de Flaubert. A história de Ema, a “Bovarinha” portuguesa vai desenrolar-se nas margens do Douro senhorial e vinhateiro.
Ao longo da obra, admiraremos a beleza da região ,magnificamente descrita, e assistiremos à decadência das suas casas, das famílias rurais e à imposição da “burguesia de jeans”.
“Sim, é certo, das janelas do Romesal via-se o Vale Abraão, terra de Paivas e Semblanos. Destacavam-se as propriedades mais sumptuosas, entre maciços das árvores de jardim; o resto eram casas agaioladas com mansardas revestidas de lousa, mas raras. Que o vale era sobretudo recatado na sua abastança, que decaíra muito com a alta dos salários e as vocações migratórias.” (p.43)

Ema que casou com um dos Paivas, Carlos Paiva, o médico medíocre e apático, vai manter uma vida que romperá com os valores tradicionais atribuídos à mulher da província. Inteligente e de uma beleza exorbitante, por isso considerada de perigosa quer pelos homens, que a desejam e rejeitam simultaneamente, quer pelas mulheres que a invejam.
“Desde que se dispôs a frequentar uma sociedade acima do seu meio e educação. Ema optou por usar, a título de ameaça, um comportamento desequilibrado. Encarnou a personagem associal, primeiro desajeitadamente, o que era quase o segredo do seu sucesso.” (p. 200)

Ema, à semelhança de muitas protagonistas agustinianas, vai ter uma vida tumultuosa, de constantes crises, sempre em busca de algo que a satisfaça. Invejada e inconstante, rejeita o fracasso e repele o sofrimento. Inconformada com a passividade e mediocridade do marido, considerado por muitos como um santo e o “cornudo simpático”, procura fora de casa uma forma de consolo, de prazer carnal, já que verdadeiramente, não ama ninguém. Insatisfeita com os seus próprios desejos, leva uma vida mesquinha e fútil tentando escapar de uma mediocridade há muito interiorizada. “ Os mimos, os pequenos sonhos perdulários que o pai lhe permitia, estavam proibidos naquela casa que era pior do que pobre, era mesquinha.” (p. 47).

Ao longo da narrativa, e à medida que vamos assistindo ao desgaste físico e psicológico da protagonista, vamos igualmente acompanhando a degradação e a ruína das casas do vale. Desde cedo que se antevê um final trágico para Ema e para a região.

Recomendo a leitura desta e de outras obras. A autora que tem uma obra riquíssima é, por muitos, ignorada porque se considera a sua escrita complexa. Pode ser verdade, mas se lida com cuidado e atenção, verificaremos que é afinal sublime e veiculadora de uma história bem portuguesa.


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