30 agosto, 2025

𝑶 𝑻𝒆𝒎𝒑𝒐 𝒅𝒐 𝑪ã𝒐, de Ondjaki e António Jorge Gonçalves

 



Autor: Ondjaki
Título: O Tempo do Cão
Ilustrador: António Jorge Gonçalves
N.º de páginas: ---
Editora: Caminho
Edição: Fevereiro 2025
Classificação: Conto / novela gráfica
N.º de Registo: (3679)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


O Tempo do Cão é um livro delicioso. A conjugação do texto poético de Ondjaki e os desenhos e grafismos de António Jorge Gonçalves tornam este livro num autêntico objecto de arte, uma obra-prima. Não é a primeira obra que criam em conjunto. Já se conhecem bem de outros projectos, como Uma Escuridão Bonita e O Convidador de Pirilampos.
Nesta novela gráfica de capa dura e avermelhada, com desenhos a branco num fundo azul forte, “Há o guevara” e “havia um cão” que criam laços afectivos, num sítio real, ao pé do lago Tanganica, no Congo.
Não me vou pronunciar muito mais sobre a estória porque tudo o que referir vai retirar ao leitor o prazer da descoberta e da sua própria leitura, já que este livro oferece múltiplas interpretações.

O que posso aconselhar é que desfrutem da leitura. Leiam o texto e os desenhos com prazer



22 agosto, 2025

𝑵𝒆𝒎 𝑻𝒐𝒅𝒂𝒔 𝒂𝒔 Á𝒓𝒗𝒐𝒓𝒆𝒔 𝑴𝒐𝒓𝒓𝒆𝒎 𝒅𝒆 𝑷é, de Luísa Sobral

 

~

Autora: Luísa Sobral
Título: Nem Todas as Árvores Morrem de Pé
N.º de páginas: 222
Editora: D. Quixote
Edição: Fevereiro 2025
Classificação: Romance
N.º de Registo: (Emp.)



OPINIÃO ⭐⭐⭐


Conhecemos bem a Luísa Sobral como cantora e compositora. Uma voz muito própria do mundo musical, pelo que havia uma certa expectativa em relação a este seu primeiro romance. Admito que ainda não constava na minha lista de leituras mais imediatas, mas como estava agendada a sua participação na Onda Literária, decidi lê-la já.
A leitura é fluída muito graças à delicadeza da escrita e às frases curtas e poéticas.
Fiquei a saber pela Luísa Sobral que a história que acabou em romance, começou por ser canção, Maria Feliz, e que a história, verídica, recria o passado de um casal alemão que se suicidou em Portugal.

No romance, a narrativa centra-se em duas mulheres, Emmi e M., com histórias muito paralelas, vítimas da época mais sombria de uma Alemanha dividida, literalmente, pelo muro de Berlim, mas também e, sobretudo por visões cultural, social e política bem distintas. Luísa Sobral lega-nos as vivências e as emoções de duas vidas feridas e marcadas por mágoas familiares.

O livro apresenta, ainda, uma característica muito peculiar e interessante. Os capítulos dedicados à vida de M. iniciam com o nome comum e científico de uma planta (árvore, flor, erva aromática), completados com uma característica e ilustração da mesma. Pelo que as plantas desempenham um papel importante na vida desta personagem e enriquece, em muito, a narrativa.

Gostei da leitura, mas confesso que não foi arrebatadora. Contudo, recomendo a sua leitura.


17 agosto, 2025

𝑨 𝑴𝒂𝒕é𝒓𝒊𝒂 𝑫𝒂𝒔 𝑬𝒔𝒕𝒓𝒆𝒍𝒂𝒔, de Isabel Rio Novo




Autora: Isabel Rio Novo
Título: A Matéria Das Estrelas
N.º de páginas: 191
Editora: D. Quixote
Edição: Maio 2025
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3711)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Já o referi, mais do que uma vez, e reitero que considero a Isabel Rio Novo uma das melhores escritoras portuguesas na nossa produção literária contemporânea.
Ao iniciar, A Matéria das Estrelas, já sabia que a fasquia estava elevada. O romance já recebera um prémio e as críticas eram muito positivas. Sabia de antemão que ia gostar, quando se gosta muito de um(a) autor(a) nunca se fica desiludido. Mas sabendo tudo isto, ainda fui surpreendida e fiquei muita agradada ao perceber que este romance dava uma enorme “piscadela de olho” a uma obra de Paulo M. Morais (obra magnífica e que recomendo muito). Não vou revelar muito desta interacção, para não retirar o prazer da descoberta, refiro, apenas que o protagonista, Jacinto, é também uma personagem do livro A Boneca Despida.
Esta cumplicidade entre os dois escritores, engrandece-os, na minha opinião. E se no livro, a dedicatória de Isabel Rio Novo “Ao Paulo, com quem caminho pelos terrenos da realidade e da ficção”, já fazia sentido pelo apoio mútuo com que se brindam, agora, faz ainda muito mais sentido.

Em A Matéria das Estrelas, Isabel Rio novo conduz o leitor até meados do século XX (anos 60 e 70) com incursões ao tempo das navegações, sobretudo de Bartolomeu Dias. A narrativa balança harmoniosamente entre a história de Jacinto, de Bartolomeu Dias e a do narrador investigador e omnisciente. A autora revela uma grande mestria ao cruzar os diversos tempos da narração: o histórico, o psicológico, o da memória, e o da ficção.

A narrativa oferece diversas camadas de leitura. São vários os temas abordados, mas podemos referir que se foca, essencialmente, no incidente misterioso que alterou o destino do jovem oficial da marinha, Jacinto da Silva Fernandes. É através da investigação conduzida pelo médico, com quem ainda mantém laços familiares, que tomaremos conhecimento, de forma não cronológica, da história de Jacinto, de alguns aspectos familiares que influíram na vida do jovem e de acontecimentos de um Portugal bafiento, injusto e hipócrita.

Isabel Rio Novo numa escrita simples e cuidada cria personagens fortes e perturbadoras e oferece-nos uma viagem maravilhosa sobre memórias, paixões e segredos da qual nunca saímos indiferentes porque, na história dos outros, encontramos, por vezes, a nossa, como referiu o doutor Eduardo a certa altura da investigação.

Recomendo muito.


12 agosto, 2025

𝑺𝒆𝒋𝒂 𝒇𝒆𝒊𝒕𝒂 𝒂 𝒕𝒖𝒂 𝒗𝒐𝒏𝒕𝒂𝒅𝒆, de Paulo M. Morais



Autor: Paulo M. Morais
Título: Seja feita a tua vontade
N.º de páginas: 128
Editora: Casa das Letras
Edição: Junho 2017
Classificação: romance
N.º de Registo: (3721)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Seja feita a tua vontade, de Paulo M. Morais, é um romance comovente que aborda a morte como escolha consciente e a despedida como reencontro. Através da relação entre um avô e o seu neto, o autor constrói uma narrativa íntima, onde se cruzam memórias, silêncios e afectos.

O enredo centra-se na figura do avô, médico octogenário, que, cansado de lutar contra os “bichos imaginários” que lhe devoram o corpo, decide pôr fim à sua vida de forma metódica e consciente. Esta decisão, comunicada à família, desencadeia uma série de dilemas éticos e emocionais, especialmente para o neto, que assume o papel de cuidador e confidente.
“Passamos tardes inteiras a falar de intimidades. No recato do teu quarto, exponho-me e exponho-te. Damos as mãos. Faço-te festas no rosto. Para passarmos o tempo que falta (ou será recuperarmos o tempo perdido?), partilhamos histórias nestes dias em que a morte ronda.” (p. 43)

O livro confronta-nos com questões delicadas como a eutanásia, o envelhecimento, o direito à morte digna e a desumanização da morte hospitalar. A decisão do avô é apresentada como um acto de lucidez e de dignidade, desafiando convenções sociais e familiares.
Nesse período de tempo (dezanove dias), avô e neto revisitam memórias e afectos, num processo de despedida íntimo. Porém, a narrativa ganha uma reviravolta quando, inesperadamente, o avô informa que pretende continuar a viver, abalando a serenidade conquistada e reabrindo feridas emocionais.

Paulo M. Morais constrói personagens densas e realistas, explorando a complexidade das relações inter-geracionais. O avô, inicialmente rígido, revela-se vulnerável e humano, enquanto o neto, jornalista e pai de uma menina, emerge como uma figura de escuta e ternura.
Questiono-me se não haverá, neste romance, um carácter auto-biográfico?

A escrita é contida, mas carregada de emoção. A economia de palavras releva o impacto dos momentos de ternura e de dor, conferindo maior autenticidade à narrativa. E a escrita diarística, na segunda pessoa, reforça o tom confessional e aproxima o leitor das personagens.

A citação de Morreste-me, de José Luís Peixoto no livro não é apenas uma referência literária — é uma ponte emocional entre duas obras que exploram o luto com uma tremenda delicadeza.

Os dois livros partem da dor da perda para construir uma narrativa íntima e reflexiva. A diferença, é que em Morreste-me, José Luís Peixoto escreve com uma linguagem poética e fragmentada, como se cada frase fosse um eco da ausência do pai. A dor é crua, mas contida, e o texto transforma-se num espaço de memória onde o filho tenta manter vivo o que já não está. Já em Seja feita a tua vontade, Paulo M. Morais aborda a morte antecipada — não como perda súbita, mas como escolha consciente. O avô decide serenamente morrer e o neto acompanha esse processo, criando uma despedida que é também uma reconstrução de afectos.

Seja feita a tua vontade é um livro que nos toca profundamente. Mais do que uma história sobre o fim, é um convite à escuta, à ternura e à coragem de estar presente quando o tempo finda.


10 agosto, 2025

𝑨 Ú𝒍𝒕𝒊𝒎𝒂 𝑨𝒖𝒓𝒐𝒓𝒂, de Simão Resendes Cabral



Autor: Simão Resendes Cabral
Título: A Última Aurora
N.º de páginas: 51
Editora: Editorial Novembro
Edição: Dezembro 2024
Classificação: Poesia
N.º de Registo: (3678)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐



Simão Resendes Cabral publica o seu primeiro livro de poesia. São doze os poemas que constituem A Última Aurora. Tratando-se de uma primeira obra, o autor revela já uma notável sensibilidade poética.
Estamos perante uma escrita muito visual, luminosa e sensorial com a qual o sujeito poético se propõe transpor “os portais do devaneio decisivo”; escrita de contemplação que pelo viés de metáforas e de antíteses constrói um universo de demanda e de contemplação onde o “eu”, o “nós”, envolto em silêncios, descobre novos caminhos, novas auroras, novas sensações e se permite sonhar.

“ Sonho
Transporto comigo a fórmula
Para um estado de perpétua contemplação
Com audácia, harmonizo-me continuamente
E tudo reluz como mil sonhos unidos num só brilho
Tudo repleto de vida e significado
Enche de luz a minha alma
Até ao alvorecer do meu ideal”

Que o sonho se materialize em palavras. Que este livro seja o primeiro de muitos.


04 agosto, 2025

𝑨 𝑷𝒆𝒅𝒊𝒂𝒕𝒓𝒂, de Andréa Del Fuego

 


Título: A Pediatra
N.º de páginas: 203
Editora: Companhia das Letras
Edição (3.ª): Abril 2025
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3716)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐





A Pediatra é um romance que se destaca pela abordagem provocadora e intensa que desafia o convencional sobre a maternidade e o papel da mulher na medicina e no casamento.

Ao construir uma protagonista segura e desconcertante que rejeita os papéis tradicionais atribuídos às mulheres, sobretudo o da maternidade, a autora tece uma crítica às estruturas sociais que ditam os padrões aceitáveis de uma sociedade ainda patriarcal.

Cecília, sem problemas financeiros e habituada a um conforto aburguesado, acaba com um casamento sem afecto, vive uma sexualidade plena e evita compromissos emocionais; como pediatra neonatalogista mantém um consultório com sucesso, faz parcerias com uma colega obstetra no hospital, apesar de afirmar que “detesta crianças”.

Cecília revela-se competente e pragmática, mas afasta qualquer vínculo afectivo sendo julgada, pelos seus pares, como uma pessoa fria e cínica. “O afeto é uma doença contagiosa. Prefiro manter distância.”
O romance centra-se em duas visões da prática médica: a de Cecília, racional e distante, e a de um novo pediatra adepto de práticas alternativas e acolhedoras.
A chegada deste causa-lhe alguma instabilidade profissional, na medida em que perde pacientes, mas não altera em nada a sua postura e as suas convicções.

Na minha opinião, Cecília usa a rejeição à maternidade como uma armadura. Ela constrói uma vida onde a racionalidade e o auto-domínio são os seus pontos fortes. A frieza com que trata os pacientes, mães e crianças, e a distância emocional que mantém com os seus próximos, parecem esconder algo mais vulnerável. Isto fica claro quando ela se envolve com Bruninho, o filho do amante. A sua relação com a criança escapa ao seu controle e surge uma empatia inesperada, mas não resolvida. Ela não sabe reagir com os sentimentos que a invadem e que escapam à sua lógica fria e insensível. Pelo que a sua aversão é uma defesa, mas não uma essência.

Cecília, provavelmente, não odeia as crianças — talvez ela odeie os papéis que lhe são impostos como mulher. A maternidade é encarada por Cecília como uma vontade pessoal, sem imposição. Nem toda a mulher quer ser mãe.

A narrativa feita na primeira pessoa, com um ritmo acelerado e cínico, pretende, da mesma forma, afastar o leitor emocionalmente, o que reforça a ideia de que há algo reprimido. Ao longo do romance, vamos detectando camadas complexas que causam algum desconforto:
Cecília é uma mulher, médica, bem-sucedida, mas sem qualquer traço de empatia ou de afecto; ela desmonta o arquétipo da mulher cuidadora, recusando o papel de mãe, de esposa, de profissional; ela promove uma sexualidade livre, crua e sem culpa, o que contraria a moral tradicional e a sua atitude final é completamente desconcertante.

Será que é Cecília que está errada ou é a sociedade com as suas imposições?
Convido-vos a descobrir esta personagem tão segura quanto frágil, tão detestável quanto sedutora.



03 agosto, 2025

Exposição | Figure Out (Personagens de Literatura) - Capítulo II | Ana Baleia

Exposição de esculturas têxteis criadas por Ana Baleia  a partir de personagens literárias de livros conhecidos. Encontra-se patente no Centro de Artes de Sines até 24 de Agosto. 
Iniciativa paralela da 25.ª edição do FMM