Não resisto em transcrever alguns excertos do artigo publicado por João Bonifácio, hoje, no Público sobre o concerto da "talentosa senhora Traoré" no FMM. É um texto que subscrevo completamente.
Assim, aqui fica:
A talentosa senhora Traoré
28.07.2008
Todos os anos acontece o mesmo e nunca cansa: a meio do último concerto no Castelo salta o fogo-de-artifício, que a cada edição parece tornar-se mais monumental. A música não pára e, muitas vezes, parece ganhar ainda mais força com a celebração. É, igualmente, uma forma de consagrar o artista escolhido para cabeça de cartaz, aquele que oferece o mais nobre dos concertos. Mas por vezes há enganos: Erika Stucky, senhora de uma estrondosa voz (e que já deu show em anterior edição do Músicas do Mundo) e mestre de cerimónias da despedida, bem se esforçou na sua homenagem (nada ortodoxa) ao génio Jimi Hendrix.
(...)
Quem devia ter fechado Sines? A maliana Rokia Traoré. Havia dúvidas acerca do que Rokia pudesse fazer. O seu mais recente disco, Tchamanché (acabado de sair) é de uma mansidão imensa, plana nos ares, é feito de sussurros. Dificilmente se imaginaria o álbum transposto para aquele cenário inundado de gente. Rokia começou muito jazzy, com o baixo a entregar um groove cálido, e lentamente foi subindo. Pegou na sua Gibson (bela, bela guitarra) e inflectiu em direcção ao país natal, num blues arrastado, sinuoso, lânguido. Frases lentas de guitarra eram dobradas pelo rendilhado do segundo guitarrista, enquanto o ngoni (uma espécie de guitarra maliana primitiva) repicava notas de forma minimal - isto resultava numa espécie de transe, até a guitarra solo começar a entrar em novelos psicadélicos, a acelerar, isto enquanto o baixo arredondava e arredondava e o ataque ao ngoni ganhava contornos de repetição obsessiva. Foi sempre assim: um tema começava arrastado e acabava numa espiral em crescendo - até que, cá em baixo, quem ouvia entrava num mundo simultaneamente físico e etéreo: primeiro a cabeça oscilava, depois os ombros meneavam, rapidamente o corpo todo era possuído pela força telúrica daquela música. E no entanto muita gente dançava de olhos fechados: é natural, isto é música para dançar por dentro. O final foi extraordinário, quase puro funk, jam em êxtase, como se Rokia fosse uma versão feminina do nigeriano Fela Kuti. Algo de espantoso aconteceu ali.
(...)
Porque Rokia, Rokia foi extraordinária, deu um daqueles concertos que nunca se esquece por mais que se viva, e, num festival cujo alinhamento - em modo best-off devido às comemorações dos seus 10 anos - pareceu escasso em surpresa, foi a pérola, a jóia absoluta que só por si justificava o festival inteiro.
João Bonifácio
(A foto foi retirada do site FMM)
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