Autor: Nathan Thrall
Título: Um Dia na Vida de Abed Salama
Tradutora; Sara Veiga
Tradutora; Sara Veiga
N.º de páginas: 205
Editora: Livros Zigurate
Edição: Outubro 2023
Classificação: Testemunho
N.º de Registo: (3553)
OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐
Um Dia na Vida de Abed Salama é mais do que uma reportagem sobre um trágico acidente envolvendo crianças em visita de estudo a um parque temático, nos arredores de Jerusalém. É, sobretudo, um testemunho pungente do conflito israelo-palestiniano e da vida quotidiana sob ocupação.
Milad Salama, filho de Abed Salama, é uma das crianças envolvidas no acidente de viação — ponto de partida para uma narrativa que se desdobra em múltiplas camadas de dor, resistência e denúncia.
Nathan Thrall, jornalista americano radicado em Israel, entrelaça com mestria o relato do acidente com a crónica da segregação imposta ao povo palestiniano. Ao longo do livro, revela-se o labirinto de constrangimentos que molda o dia-a-dia: cartões de identidade verdes ou azuis que restringem a circulação, muros que se erguem como fronteiras físicas e simbólicas, a “auto-estrada do apartheid” que separa, e os postos de controlo que atrasam — ou impedem — a assistência em momentos de urgência. O acidente, que vitimou oito crianças, expõe com brutal clareza como a pertença palestiniana condiciona até o socorro. Arruinou vidas. Deixou marcas em todos.
“O acidente destruíra todas as famílias, cada uma à sua maneira.” (p. 194)
A falta de assistência imediata às crianças palestinianas não é apenas uma consequência logística — é um reflexo brutal da estrutura de segregação que atravessa o território. O tempo de resposta foi dilacerado por barreiras físicas e burocráticas: ambulâncias impedidas de circular livremente, pais retidos em postos de controlo, hospitais inacessíveis por estarem do “lado errado” do muro. Cada minuto perdido foi uma consequência directa da geografia da exclusão. O livro revela como, num momento em que a urgência deveria unir, a ocupação separa — e como a infância palestiniana é atravessada por essa violência estrutural desde o primeiro suspiro.
Com este livro, Thrall conquistou o Prémio Pulitzer de Não Ficção (2024). A sua experiência jornalística, aliada a uma escrita literária precisa e comovente, oferece-nos a visão de um mundo colapsado, onde a tragédia, a opressão e a segregação são ingredientes quotidianos. Num tempo em que o ódio, a desumanização e a xenofobia crescem, este livro convoca-nos à escuta, à análise das causas e à urgência de estar informado.

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