Autora: Leïla Slimani
Título: Vejam como dançamos
Tradutora: Tânia Ganho
N.º de páginas: 338
Editora: Alfaguara
Edição: Outubro 2022
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3414)
OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐
Vejam como dançamos é o segundo livro da trilogia de Leïla Slimani, iniciada com O País dos Outros. Nele, continua a história da família Belhaj, nomeadamente no crescimento e na adaptação dos filhos Aïcha e Selim, às transformações sociais e políticas de Marrocos nos anos 1960 e 70.
A narrativa foca-se em Aïcha que representa uma geração em transição entre a tradição e o desejo de emancipação. Ela estuda medicina em França, na cidade de Estrasburgo. Este facto afasta-a temporariamente das suas raízes marroquinas e aproxima-a de uma nova maneira de encarar a vida e de questionar o papel da mulher na sociedade. Os conhecimentos e amizades que aí trava, levam-na para trilhos de descobertas, de questionamento, de reflexão.
O desejo de independência, por um lado, e a lealdade à herança familiar, por outro, mantém-na num limbo identitário, num conflito interior que a vai tornar mais humana e sensível. Como um passo de dança, Aïcha desliza entre Marrocos e França, entre a tradição e a liberdade.
Selim, ao contrário da irmã, revela uma trajetória marcada por certos desvios – não gosta de estudar, alia-se ao movimento hippie, sai de casa, pratica o amor livre, experimenta drogas. A sua relação com os pais é distante e provocatória.
Quanto a Mathilde e a Amine, estão mais aburguesados, cederam à modernidade apesar das raízes e do peso da cultura marroquina que atravessa uma época conturbada. Este peso cultural sente-se, sobretudo, em Mathilde, que ainda vive entre duas culturas, e mais condescendente deixa-se engordar e acomoda-se à traição de Amine com outras mulheres.
Leila Slimani para além da história familiar, dá-nos a conhecer muito da História de Marrocos. Foca-se na transformação das pessoas que têm de se adaptar às mudanças sociais, culturais e políticas do país. “Naquele país que vivera da terra e da guerra durante séculos, já só se falava da cidade e do progresso.” (p. 37)
Percebemos que, apesar das mudanças em curso, a mulher ainda desempenha um papel subalterno, as desigualdades ainda subsistem. Os ecos de um Maio de 68 começam a instalar-se, a emancipação da mulher dá os primeiros passos, vagarosa e timidamente.
Leïla é sublime. Através de uma escrita cativante e fluída, de cariz autobiográfica, conduz-nos pelas teias da (sua) família, mergulha-nos na intimidade das personagens, incita-nos à descoberta de um país e oferece-nos uma narrativa comovente.
Recomendo muito e como incentivo à leitura desta trilogia (o terceiro livro já foi publicado em Portugal), transcrevo um excerto do final da carta que Mehdi escreveu a Aïcha. Uma carta que me deslumbrou pela beleza das palavras, pela sensibilidade que nelas perpassam.
“Um dia, mais tarde, num dos nossos passeios, disseste-me, rindo-te, que eu era um ateu da vida. Ah, não. A vida possui-me. Aïcha, acredito piamente nela, a vida ilumina-me, rasga-me a cada instante, amo-a sob todas as formas, felicidade, prazer, dor, silêncio. E, graças a ti, nunca estive tão próximo dela. Reconheci-te. Esperava-te desde o dealbar da infância e tu chegaste. Vejo o céu, a luz nas palmeiras, o voo das cegonhas e fico deslumbrado. Acredita quando te digo que essa beleza é feita de nós. É feita para nós.” (p. 196).