30 junho, 2024

Manuel Cargaleiro (1927- 2024)

 

Manuel Cargaleiro  | Estrela do Mar |1983
Guache sobre papel
Col. Fundação Manuel Cargaleiro | FMC-A 1849




E o esplendor dos mapas, caminho abstracto para a imaginação concreta,


E o esplendor dos mapas, caminho abstracto para a imaginação concreta,
Letras e riscos irregulares abrindo para a maravilha.

O que de sonho jaz nas encadernações vetustas,
Nas assinaturas complicadas (ou tão simples e esguias) dos velhos livros.
(Tinta remota e desbotada aqui presente para além da morte,
O que de negado à nossa vida quotidiana vem nas ilustrações,
O que certas gravuras de anúncios sem querer anunciam.

Tudo quanto sugere, ou exprime o que não exprime.
Tudo o que diz o que não diz,
E a alma sonha, diferente e distraída.

Ó enigma visível do tempo, o nada vivo em que estamos!)

Álvaro de Campos



28 junho, 2024

𝑻𝒖𝒅𝒐 É 𝑺𝒆𝒎𝒑𝒓𝒆 𝑶𝒖𝒕𝒓𝒂 𝑪𝒐𝒊𝒔𝒂, de João Pedro Mésseder



Autor: João Pedro Mésseder
Título: Tudo É Sempre Outra Coisa
Ilustradora: Rachel Caiano
N.º de páginas: 41
Editora: Caminho
Edição (3.ª): Dezembro 2016
Classificação: Infantil
N.º de Registo: (BE)




OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Tudo É Sempre Outra Coisa permite a cada leitor desvendar o mundo de uma forma diferente. Tal como o poeta, em pequeno, vamos, também nós, “trepar a um alto muro (…) e ver o que havia do outro lado”.
Pelo olhar poético e criativo dos dois autores, o leitor curioso deixa-se ficar suspenso no muro, e imagina o mundo de outra forma, mais belo, mais sorridente, mais luminoso.

A estrutura do livro que divide as páginas em duas tonalidades traça uma linha que dá sentido aos dois mundos – o real e o imaginado; uma coisa e outra coisa. A delicadeza, e os pormenores dos desenhos da Rachel Caiano transportam o leitor para o mundo do onírico, da fantasia. A simplicidade do traço, a utilização do carvão, o jogo das cores, completam maravilhosamente as palavras de João Pedro Mésseder. Apetece-nos seguir o olhar doce das crianças, mergulhar nos seus sonhos, embrulhar o sorriso, transformar palavras proibidas em gritos, descobrir com elas o sentido das coisas, o outro lado das coisas, das palavras já que “Como dizia certo poeta, tudo é sempre outra coisa…” (sinopse)

Ler gráfica e visualmente este belo livro é afinal assentir que “Ler um poema é descer ao fundo de um vulcão, que tanto pode estar em atividade como adormecido” .
Na minha opinião, este livro poético é um vulcão em actividade.

      


27 junho, 2024

𝑼𝒎𝒂 𝒗𝒂𝒍𝒔𝒂 𝒄𝒐𝒎 𝒂 𝑴𝒐𝒓𝒕𝒆, de João Tordo

 

Autor: João Tordo
Título: Uma valsa com a Morte
N.º de páginas: 216
Editora: Companhia de Letras
Edição: Maio 2023
Classificação: Ensaios
N.º de Registo: (3459)




OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐




Em Uma valsa com a Morte, João Tordo regressa à não-ficção (ainda não li o Manual de Sobrevivência de um Escritor) e alinha uns primeiros passos mais intimistas com o leitor.
“Num primeiro andamento”, revela-nos um conjunto de ensaios sobre a música, a literatura, a criatividade, a espiritualidade, a religião e vai entretecendo algumas relações entre estes temas, vai expondo alguns pensamentos, algumas teorias (as suas). À medida que “valsamos” no livro, outros “compassos” se vão impondo e nos orientam na reflexão da passagem do tempo, do medo de morrer, na aceitação da morte, bem como nos afundam nos relatos de depressão, de loucura, de melancolia, e nos elevam nos momentos de alegria, de felicidade e de esperança na superação das fragilidades, das fraquezas, da loucura.
João Tordo, no texto inicial, informa o leitor “ que este livro era sobre a Morte”. Após a morte da sua avó, o autor sentiu a necessidade de expurgar a dor sentida e encontrou a “agulha” que uniria todos os fios soltos que compunham os textos escritos.
Nós, leitores, deixamo-nos conduzir e sentimos a omnipresença da Morte que valsa ao nosso lado, ora mais sombria, ora mais afoita, ora mais serena.
João Tordo revela-se ao leitor. Escancara a porta da sala de baile e convida-nos a valsar ao ritmo imposto pela sua escrita. Num andamento mais moderado, mais alegre, ou mais lento, acompanhamos os seus gostos, os seus medos, as suas crenças, e até as suas obsessões e o seu amor pela avó, ou seja, a forma como vive, pensa e sente.
Em suma, e como o referiu João Tordo, estes textos interligados são a tentativa de dar resposta à pergunta “ que fazer da vida quando a presença da Morte é incontornável?” João entende que se começarmos “ quanto antes a tratar a Morte por “tu” é um passo largo para nos apaziguarmos diante do assustador negrume.” (p. 202), mas também a tentativa (muito conseguida) de explorar e encontrar o Belo e o Sublime face à finitude da existência.
Depois de ter lido este livro e de “ter valsado com a Morte”, acredito que consiga mais facilmente tratar a Velha Senhora por “tu”. Afinal, a vida é isso mesmo. É aceitar o tempo que dura a valsa, e se for de forma agradável e em boa companhia, tanto melhor.



26 junho, 2024

Amor Violeta

 



AMOR VIOLETA


O amor me fere é debaixo do braço,
de um vão entre as costelas.
Atinge meu coração é por esta via inclinada.
Eu ponho o amor no pilão com cinza
e grão de roxo e soco. Macero ele,
faço dele cataplasma
e ponho sobre a ferida.

Adélia Prado, Bagagem


Adélia Prado vence Prémio Camões 2024

 

   
                                                   Foco in Cena |  focoincena.com.br


A poeta Adélia Prado, nascida em Minas Gerais (1935), no Brasil, "é autora de uma obra muito original, que se estende ao longo de décadas, com destaque para a produção poética. Herdeira de Carlos Drummond de Andrade, o autor que a deu a conhecer e que sobre ela escreveu as conhecidas palavras “Adélia é lírica, bíblica, existencial, faz poesia como faz bom tempo…” é há longos anos uma voz inconfundível na literatura de língua portuguesa”.", justificou o júri que lhe atribuiu, este ano, o Prémio de maior prestígio da língua portuguesa.


O júri desta edição foi constituído pelos professores universitários Clara Rocha (Portugal), Isabel Cristina Mateus (Portugal), Francisco Noa (Moçambique), Cleber Ribas de Almeida (Brasil), Deonísio da Silva (Brasil) e Dionísio Bahule (Moçambique).


Notícia completa em SICnotícias



25 junho, 2024

Prémio Camões





O Prémio Camões, instituído por Portugal e pelo Brasil, em 1988, é o maior prémio de prestígio da língua portuguesa. Com a sua atribuição, é prestada anualmente uma homenagem à literatura em português, recaindo a escolha num escritor cuja obra contribua para a projeção e reconhecimento da língua portuguesa.

O Prémio Camões é atribuído anualmente por um júri especialmente constituído para o efeito. O prémio consiste numa quantia pecuniária resultante das contribuições dos dois Estados, fixada anualmente de comum acordo. Presentemente o valor monetário do prémio é de 100 000€.

O júri é constituído por 6 membros, cujo mandato é de 2 anos. Portugal e Brasil designam 2 membros cada, sendo os 2 membros restantes designados de comum acordo de entre personalidades dos restantes países lusófonos - Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste

Laureados: 

. 1989 - Miguel Torga (1907–1995) | Portugal | poesia, conto, romance, teatro,
novela, memórias, ensaio 

. 1990 - João Cabral de Mello Neto (1920–1999) | Brasil | poesia, ensaio

. 1991 - José Craveirinha ( 1922–2003) | Moçambique | poesia

. 1992 - Vergílio Ferreira (1916–1996) | Portugal | romance, conto, memórias, ensaio

. 1993 - Rachel de Queiroz (1910 - 2003) | Brasil | romance, crónica, tradução, teatro, memórias

. 1994 - Jorge Amado (1912–2001) | Brasil | romance, crónica, novela, poesia, biografia, memórias

. 1995 - José Saramago (1922–2010) | Portugal | romance, crónica, conto, novela, poesia, memórias

. 1996 - Eduardo Lourenço (1923–2020) | Portugal | ensaio, filosofia, crítica literária, estudos literários

. 1997 - Pepetela (1941 - ) | Angola | romance, teatro

- 1998 - António Cândido (1918–2017) | Brasil | crítica literária, estudos literários, ensaio, sociologia

. 1999 - Sophia de Mello Breyner Andresen (1919–2004) | Portugal | poesia, conto, teatro, ensaio , tradução

. 2000 - Autran Dourado (1926–2012) | Brasil | romance, conto, ensaio, memórias

. 2001 - Eugénio de Andrade (1923–2005) | Portugal | poesia, tradução, crónica

. 2002 - Maria Velho da Costa (1938–2020) | Portugal | romance, conto, teatro, ensaio

. 2003 - Rubem Fonseca (1925–2020) | Brasil | romance, conto, crónica, novela

. 2004 - Agustina Bessa-Luís (1922 - 2010) | Portugal | romance, novela, conto, crónica, teatro, ensaio, biografia, memórias

. 2005 - Lygia Fagundes Telles (1923–2022) | Brasil | romance, conto

. 2006 - Luandino Vieira - recusado (1935 - ) | Angola | romance, conto, novela

. 2007 - António Lobo Antunes (1942 - ) | Portugal | romance, crónica

. 2008 - João Ubaldo Ribeiro (1941–2014) | Brasil | romance, conto, crónica, novela, ensaio

. 2009 - Arménio Vieira (1941 - ) | Cabo Verde | poesia, ensaio

. 2010 - Ferreira Gullar (1930–2016) | Brasil | poesia, conto, crónica, ensaio, biografia, crítica de arte

. 2011 - Manuel António Pina (1943–2012) | Portugal | poesia

. 2012 - Dalton Trevisan (1925 - ) | Brasil | conto, romance, novela

. 2013 - Mia Couto (1955 - ) | Moçambique | romance, novela, conto, poesia

. 2014 - Alberto da Costa e Silva (1931 - 2023) | Brasil | história, poesia, memórias, ensaio, biografia

. 2015 - Hélia Correia (1949 - ) | Portugal | romance, poesia, teatro, conto

. 2016 - Radouan Nassar (1935 - ) | Brasil | romance, novela, conto

. 2017 - Manuel Alegre (1936 - ) | Portugal | poesia, romance, novela, conto

. 2018 - Germano Almeida (1945 - ) | Cabo Verde | romance, conto, crónica

. 2019 - Chico Buarque (1944 - ) | Brasil | romance, poesia, música, teatro

. 2020 - Vítor de Aguiar e Silva (1939–2022) | Portugal | ensaio, estudos literários

. 2021 - Paulina Chiziane (1955 - ) | Moçambique| romance

. 2022 - Silviano Santiago (1936 - ) | Brasil | romance, ensaio, crítica literária

. 2023 - João Barrento (1940 - ) | Portugal | ensaio, estudos literários, crónica, tradução

. 2024 - Adélia Prado (1935 - ) | Brasil | conto, poesia, ensaio


17 junho, 2024

𝑨 𝑭ú𝒓𝒊𝒂, Silvina Ocampo

 


Autora: Silvina Ocampo
Título: A Fúria
Tradutor: Guilherme Pires
N.º de páginas: 235
Editora: Antígona
Edição: Maio 2021
Classificação: Contos
N.º de Registo: (3338)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Pode um só livro provocar ao mesmo tempo perplexidade, inquietação e deslumbramento? Sim, pode. De facto, o mal, a crueldade, a loucura, a fúria alimentam as 34 histórias que integram A Fúria. O próprio Jorge Luís Borges no prefácio alegou essa perplexidade ao referir: “ Nos contos da Silvina Ocampo há uma particularidade que não consigo compreender, o seu estranho amor por uma certa crueldade inocente ou oblíqua”.

A forma como Silvina Ocampo, crua e naturalmente, narra os factos deixa transparecer a sua visão crítica sobre o carácter de certas pessoas, sobre a família, sobre a precariedade de alguns bairros de Buenos Aires.
Ao servir-se de crianças, quer como vítimas quer como perpetradoras de violência, de crueldade, provoca no leitor um profundo desconforto; o recurso ao fantástico e à efabulação eleva a qualidade da narrativa, mas também a inquietação do leitor; o relato de uma história desconcertante, aparentemente banal, com um final abrupto e nem sempre explícito causa perturbação; a subversão da normalidade pela apresentação de acontecimentos imprevisíveis e grotescos revela estranheza.

Contudo, a escrita de Silvina Ocampo seduz o leitor, a imprevisibilidade dos factos mantém-no alerta, a monstruosidade de algumas personagens agudizam o seu interesse e simultaneamente a raiva, a sinistralidade do seu universo criativo confunde e cativa o leitor.

Em conclusão, gostei imenso de descobrir esta autora. O excesso, a intensidade e o surrealismo, mas, também, o distanciamento e o humor presentes suscitam, numa primeira abordagem, perplexidade e desconforto, mas com a continuação da leitura descobrimos o deslumbramento. Gostei sobremaneira da sua capacidade de síntese nas narrativas e na utilização da fantasia para tornar possível o aparentemente impossível, para tornar bizarro e grotesco o vulgarmente comum.



16 junho, 2024

Tenho vontade de ver-te

 

Museu Arpad Szenes - Vieira da Silva 
Maria Helena Vieira da Silva | Lisbonne Bleue |  1942





Tenho vontade de ver-te
Mas não sei como acertar.
Passeias onde não ando,
Andas sem eu te encontrar.



Quadras ao Gosto Popular
, Fernando Pessoa.



12 junho, 2024

Françoise Hardy (1944 - 2024)

 Direitos de autor: Jean-Marie Périer/Photo12


Françoise Hardy morreu ontem, dia 11, com 80 anos. 

Foi o seu filho Thomas Dutroc que nas redes sociais publicou uma fotografia e anunciou a partida da mãe (Maman est partie)

Estrela da canção francesa tornou-se famosa em 1962, quando interpretou para o grande público a famosa canção Tous les garçons et les filles. 

FonteFrançoise Hardy : ses chansons cultes - Vídeo Dailymotion


11 junho, 2024

Descobertas maravilhosas!!!

 Deambulando pela cidade, dei de caras com a Tantos Livros, Livreiros... 
 Entrei, e maravilhei-me! 




05 junho, 2024

𝑶 𝑳𝒊𝒗𝒓𝒐 𝑸𝒖𝒆 𝑴𝒆 𝑬𝒔𝒄𝒓𝒆𝒗𝒆𝒖, de Mário Lúcio Sousa

 

Autor: Mário Lúcio Sousa
Título: O Livro que me Escreveu
N.º de páginas: 182
Editora: D. Quixote
Edição: Abril 2024
Classificação: Novela
N.º de Registo: (3560)




OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Consta na sinopse que “O Livro Que Me Escreveu é uma novela genial, um elogio maravilhoso à solidariedade e à leitura, essenciais na formação do ser humano.”
Depois desta afirmação, com a qual concordo plenamente, pouco saberei acrescentar para vos recomendar a leitura deste livro encantador.
O livro transporta magia, transpira paixão pelos livros, acrescenta poesia às palavras, às frases.

De forma divertida acompanhamos o desaparecimento misterioso do manuscrito e as peripécias resultantes na procura alucinante do livro que demorou trinta anos a ser escrito. Todo o leitor amante de bons livros, não ficará imune a esta narrativa, e a título de exemplo, partilho este excerto do primeiro capítulo:
“A única motivação da minha vida era escrever, cutucar palavras; e, com sua força invencível, a palavra, curiosamente amante, brotou a nadar como vacuidade no nada ainda nada, placentou, por assim dizer, apareceu e tiniu de vez o meu palpite de que estava a escrever o livro da minha vida.”

Com uma escrita sensível e emocionante, o autor constrói a sua narrativa em torno da paixão pela escrita, da solidariedade humana, do impacto da leitura na formação do indivíduo. “ A Humanidade só se salva pelo acesso ao livro”. (p. 173)

Foi um prazer enorme saborear as palavras cutucadas; intensificar a descoberta, sempre presente, do encantamento da leitura; renovar a capacidade de fantasiar, de sonhar, de viajar e concluir, ou melhor, exaltar a convicção de que vale a pena ler, partilhar leituras e livros e “eternizar-me num livro”.



01 junho, 2024

Leituras | 5 Meses

 

Quando as crianças brincam | Dia Mundial da Criança


                                   Poema: Fernando Pessoa | Música e desenhos: Victor Alexandre



QUANDO AS CRIANÇAS BRINCAM

Quando as crianças brincam
E eu as oiço brincar,
Qualquer coisa em minha alma
Começa a se alegrar.

E toda aquela infância
Que não tive me vem,
Numa onda de alegria
Que não foi de ninguém.

Se quem fui é enigma,
E quem serei visão,
Quem sou ao menos sinta
Isto no coração.


Fernando Pessoa