30 julho, 2025

Balumuka !

BALUMUKA ! Narrativa poética da liberação --- ou ainda Rebelião Poética Kaluanda

Curadoria de Kiluanji Kia Henda e André Cunha
Exposição conjunta patente no Centro de Artes de Sines até 15 de Outubro
Iniciativa paralela da 25.ª edição do FMM




        


       

      

     

29 julho, 2025

𝑱𝒆𝒔𝒖𝒔 𝑪𝒓𝒊𝒔𝒕𝒐 𝑩𝒆𝒃𝒊𝒂 𝑪𝒆𝒓𝒗𝒆𝒋𝒂,de Afonso Cruz



N.º de páginas: 248
Editora: Alfaguara
Edição (3.ª): Janeiro 2013
Classificação: Romance
N.º de Registo: (2765)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐




Afonso Cruz, em O vício dos livros (p. 81), refere que "Os livros são seres pacientes. Imóveis nas suas prateleiras, com uma espantosa resignação, podem esperar décadas ou séculos por um leitor." Ora, este Jesus Cristo bebia cerveja soube esperar resignadamente (12 anos) até que nos encontrássemos. Foi o primeiro livro que comprei do autor, em 2013, no FMM, com direito a conversa e autógrafo. Depois, li muitos, mas mesmo muitos do autor e este foi ficando para trás…

Jesus Cristo bebia cerveja apresenta-nos uma narrativa insólita e divertida povoada de personagens originais e marcantes num Alentejo rural. Toda a ação se configura em torno de Rosa que cuida da sua avó doente, que gosta de ler westerns e policiais, apesar dos poucos estudos, e que tem o bizarro costume de chupar pedras.

Ao longo da narrativa surgem indícios que inquietam o leitor e que anunciam uma possível tragédia: "- O amor não se compra. - Mas paga-se caro."; “Eu não jogo aos dados. Deus é que joga.” (alusão directa ao livro de Ian Stewart ou, então, a Albert Einstein «Deus não joga aos dados»)

Jesus Cristo bebia cerveja é um livro criativo, caricato e controverso que, subtilmente, nos afasta de certezas triviais, de preconceitos e nos oferece, pelo viés da ironia pincelada de humor negro e de uma escrita poética (“ a tarde boceja pelas ruas”), outras perspectivas de vida e nos encaminha para uma reflexão sobre a maneira como encaramos o amor, a família, a religião e como percebemos a morte.

Claro que recomendo a leitura deste e de todos os livros do Afonso Cruz. E para reforçar a minha recomendação, fica a dica do autor:
"Lembra-te de que quando Deus fecha uma porta abre-nos um livro." (p. 76)

26 julho, 2025

𝐏𝐚𝐥𝐨𝐦𝐚𝐫, de Italo Calvino




Autor: Italo Calvino
Título: Palomar
Tradutor: João Reis
N.º de páginas: 130
Editora: Planeta D'Agostini
Edição: 2001
Classificação: Contos 
N.º de Registo: (1223)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Palomar está dividido em três partes "As Férias de Palomar", "Palomar na Cidade" e "Os Silêncios de Palomar". Cada parte está subdividida em três capítulos que por sua vez apresentam 3 contos cada, reunindo, assim, 27 pequenos contos independentes que apenas têm em comum a personagem - o senhor Palomar.

Em todos os textos, o autor explora a relação entre o indivíduo e a natureza através da observação minuciosa e das reflexões do senhor Palomar.
Calvino aborda temas existenciais a partir de situações do dia-a-dia, com recurso à ironia transforma banalidades em momentos de profunda contemplação. Palomar, pela sua capacidade original de olhar para as coisas (uma onda, uma folha, um planeta, um seio, um insecto…), descobre significados pouco comuns, divaga sobre aspectos que o preocupam e tece reflexões sobre a vida, sobre as relações humanas e que acabam por conquistar o leitor.

“ O senhor Palomar decidiu que a sua principal actividade será sempre observar as coisas do lado de fora. (…) põe-se a observá-las quase sem dar por isso e o seu olhar começa a percorrer todos os detalhes e não consegue mais afastar-se delas. O senhor Palomar (…) redobrará as suas atenções: em primeiro lugar, para não deixar fugir os apelos que lhe chegam das coisas; em segundo lugar, para atribuir à operação de observar a importância que ela merece.” (p. 117)

Palomar exige do leitor uma efectiva atenção, não nos iludamos pelos textos curtos. Para captarmos a verdadeira essência da sua escrita, é importante entrar em estado de contemplação, como se fôssemos a personagem principal e usássemos um telescópio (para olhar as estrelas, por exemplo) ou uma lupa. É, igualmente, importante apreender o sentido do texto, retirar de cada observação o verdadeiro (auto) conhecimento, saber equilibrar racionalidade e sensibilidade. Isto só será possível se realizarmos uma leitura lenta e cuidada, se desfrutarmos das descrições detalhadas, se soubermos descortinar a ironia, as metáforas, os paradoxos, se estabelecermos comparações com o nosso mundo, se reflectirmos sobre as coisas observadas.
“Mas como se faz para observar alguma coisa deixando de lado o eu? De quem são os olhos que olham? (…) Para se olhar a si próprio o mundo tem necessidade dos olhos (e dos óculos) do senhor Palomar” (p. 118)
É um pequeno livro muito interessante. Que nos faz reflectir a sorrir.



20 julho, 2025

Jantar memorável

 No dia 17, os meus colegas da Escola Secundária Poeta Al Berto (ESPAB) surpreenderam-me com uma linda homenagem que guardarei na gaveta das boas memórias. 

O evento teve lugar no Restaurante Arte e Sal, em S. Torpes. Vista maravilhosa para o mar e com direito a um pôr-do-sol brilhante. 

Foi um jantar memorável, de (re)encontros, sorrisos e abraços. Recebi muito afecto, muitas flores e presentes valiosos. Registei boa disposição, ouvi poesia da boa e houve poses para registos fotográficos. 
As três moças organizadoras, Rosarinho, Bete e Célia, pensaram em tudo com muito carinho. Posso garantir que me conhecem bem.  

Houve, ainda, tempo para um sorteio de  livros, leitura de um discurso e de um poema escrito a duas mãos.  

Partilho um pequeno vídeo que revisita os momentos importantes.
Transcrevo também o discurso e o poema   

a de Graciosa Reis


Quero agradecer muito, mas mesmo muito este momento. É um prazer enorme ter-vos a todos e a todas aqui presentes.
Como sei que estes encontros dão muito trabalho, sou grata às moças organizadoras, Rosarinho, Bete e Célia. E como para haver festejos é bom que haja participantes, também quero agradecer, a cada um e a cada uma, pessoalmente, a vossa presença.

Não vou fazer um grande discurso. O que tinha a dizer, já o disse num texto que vos enviei e que publiquei no primeiro dia de “boa vida”.

Retomo, apenas, a parte mais importante, a dos amigos, a das pessoas com quem me cruzei, em especial, na ESPAB.
Ao longo dos anos e foram muitos, conheci, lidei e convivi com muitas pessoas.
Pessoas bonitas e maravilhosas e outras menos bonitas e um pouco menos maravilhosas. Mas todas foram importantes, com todas aprendi e partilhei conhecimentos, ensinamentos, gargalhadas, sorrisos, tristezas, desabafos, abraços, fotografias, livros, leituras, muitas leituras, …; com muitas continuarei a aprender e a partilhar…
Muitas destas pessoas estão aqui;
Muitas não estão por múltiplas razões: pessoais, profissionais, familiares, ou porque simplesmente não o quiseram;
Algumas porque já não leccionam nesta escola, nem habitam por perto;
Outras, ainda, já não estão entre nós.

A TODAS o meu ENORME agradecimento e carinho.
Saberei manter vivas as boas memórias. E este momento, será para acrescentar.

Citando Epicuro “As pessoas felizes lembram o passado com gratidão, alegram-se com o presente e encaram o futuro sem medo.”

Que, assim, seja!



Ó Arte e Sal, quanto do teu manjar
São sorrisos destes comensais
Para aqui chegarmos, a S. Torpes
É preciso que topes
Quanta areia já roubou o mar
Quantos banhos ficaram por dar
Mas ainda, assim, valeu o jantar
E daqui saímos mais fraternais
Mesmo com um copito a mais.

(GR e JR)



18 julho, 2025

𝑨 𝑳𝒊𝒔𝒕𝒂 𝒅𝒆 𝑳𝒆𝒊𝒕𝒖𝒓𝒂, de Sara Nisha Adams

 

Autora: Sara Nisha Adams
Título: A Lista de Leitura
Tradutora: Maria Ferro
N.º de páginas: 397
Editora: Topseller
Edição: Novembro 2022
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3691)



OPINIÃO ⭐⭐⭐


Comprei este livro pelo título. Fiquei com imensa curiosidade em descobrir como os oito clássicos da lista iriam ser abordados a partir da indicação sugestiva “só para o caso de precisares…”.

A Lista de Leitura é um romance de leitura fácil e agradável que promove a descoberta do prazer de ler e de partilhar opiniões sobre os livros lidos.
“Havia algo mágico nisso, na partilha de um mundo que amámos.” (p. 301)
Só por esta razão já vale a pena lê-lo. Mas o enredo oferece-nos, ainda, a perspectiva, de que é possível, a partir dos livros, encontrar um novo sentido para a vida.

A história ocorre em Wimbledon, numa pequena biblioteca pública. Lugar de silêncio, de refúgio e de partilha de livros, de amizade, de preocupações, de (auto)ajuda.
É neste espaço privilegiado que a jovem Aleisha, adversa a livros e com uma vida complicada em casa, trabalha aborrecida durante as férias de verão. Aqui, conhece Mukesh que um dia vai devolver um livro que encontrou em casa e que tinha sido requisitado e não devolvido pela sua esposa - A mulher do viajante no tempo, de Audrey Niffenegger.

Esta simples tarefa vai revelar-se numa vitória para o velho homem e irá perturbar a sua pacata forma de viver. Mukesh é um idoso viúvo que não sabe lidar com a perda da esposa Naina, nem tão pouco com as vidas atarefadas e independentes das suas três filhas que o tratam como um incapacitado.

Aleisha e Mukesh, duas pessoas de gerações diferentes, com problemáticas diversas, têm em comum o facto de não gostarem de ler. Contudo, encontram-se na biblioteca e a lista de leitura encontrada, por acaso, pela jovem dentro de um livro – Mataram a Cotovia - vai transformar-se no elo de ligação entre os dois e vai, sobretudo, a ajudá-los a descobrir o prazer da leitura e a ultrapassar os problemas que cada um carrega.

Os oito livros que integram a lista de leitura facultam abordagens múltiplas. Cada leitor fará a sua interpretação de cada obra de acordo com as suas vivências presentes e passadas (“Hum – disse Aleisha (…) Suponho que os livros digam coisas diferentes a pessoas diferentes.” (p. 171)). Mukesh faz as suas leituras tendo sempre presente a memória da sua mulher. Cada um dos oito livros, desempenha, assim, uma função. Justiça, preconceitos, resiliência, violência, dependência, doença, família, amor, amizade, perda e morte são alguns dos temas abordados e que, em jeito de terapia, vão facultar ensinamentos e cumplicidades e fortalecer uma “amizade improvável.”

Tratando-se de um livro sobre livros (e que livros!), recomendo, seguramente, a sua leitura.



17 julho, 2025

Escola Poeta Al Berto - Fotodocumentário biográfico de Al Berto

Quando acordei tinha este presente maravilhoso no meu telemóvel. Tem um significado muito especial recebê-lo, precisamente, hoje.
Obrigada, Gustavo Cerqueira Guimarães

Fotodocumentário biográfico do português Al Berto (1948-1997), de Sines, destacando a voz do poeta e fotografias de seus livros.
REALIZAÇÃO: Qeracê
PESQUISA, ROTEIRO & CANÇÃO: Gustavo Cerqueira Guimarães
PeDRa LeTRa
Minas Gerais, Brasil, 2025





15 julho, 2025

Encontro Regional de Bibliotecas Escolares



Nos dias 10 e 11 de Julho de 2025, em Évora, decorreu o Encontro Regional, subordinado ao tema “Legados de Engenho, Arte e Pedagogia”, colaboração entre o CFAE Beatriz Serpa Branco e as Bibliotecas Escolares do Alentejo. As sessões plenárias tiveram lugar no auditório da DGEstE e os workshops no Agrupamento de Escolas André de Gouveia.


Foram dois dias plenos de aprendizagens, partilhas e convívio.
Na abertura do encontro Jorge Serafim brilhou e animou o pessoal ainda entorpecido.
O programa seguiu o seu curso com uma homenagem a Beatriz Serpa Branco e com a apresentação de Boas Práticas de várias bibliotecas escolares do Alentejo (nos dois dias realizaram-se três sessões plenárias). São momentos enriquecedores e que evidenciam o que de bom se pratica nas nossas bibliotecas escolares.
Os dois momentos previstos de workshops simultâneos oferecem-nos possibilidades de aprendizagem, algumas fora da nossa zona de conforto, de contacto com outras artes, de partilha de saberes, de sorrisos e boa disposição. Gostei de descobrir a “Ciência em Camões” com o Mário e o Alexis, do Centro de Ciência Viva de Estremoz e adorei conhecer a actriz Cátia Terrinca que, sabia e assertivamente, nos envolveu nas “Palavras para lá do papel” . Trabalhámos a desconstrução da palavra, da escrita, da poesia; criámos sons com sentido; inventámos onomatopeias; percebemos o poder da palavra escrita, dita, ouvida, compreendemos a importância do silêncio, do saber escutar.

Nestes dois dias, fomos ainda brindados com duas conferências magníficas. A primeira, dita pelo Professor Carlos Reis – “Legados de um ‘épico d’outrora’: figurações camonianas”; a segunda, pelo Dr. Pacheco Pereira – “Engenho, arte e saber ao serviço das bibliotecas”.
Dois oradores cultos e inteligentes que nos concedem conhecimentos válidos e nos incitam à reflexão.

O encerramento do encontro contou com uma tertúlia sob o tema “Legados de Engenho, Arte e Pedagogia”. Cinco convidados, entre os quais o Professor Carlos Reis, moderados pela Doutora Zélia Parreira, Directora da Biblioteca Pública de Évora, discorreram sobre o assunto. Foi um momento empolgante com opiniões controversas de um dos palestrantes.
Entusiasmei-me com o rumo da conversa, com os argumentos dos restantes convidados e sobretudo com a arte e engenho do Professor Carlos Reis. Terminámos maravilhosamente. 

Após a conclusão dos trabalhos agendados para o primeiro dia, um grupo de amigas bibliotecárias do Alentejo Litoral, deambulou pelas ruas de Évora e refastelou-se numa esplanada para conversar, gargalhar, degustar uns saborosos petiscos e beber uma generosa sangria. Apesar do vento frio que se impôs ao anoitecer, fomos felizes.

Foram dois dias maravilhosos. Eu, no papel de aposentada, desfrutei serenamente de tudo.
Até pró ano, se ainda me aceitarem.




08 julho, 2025

𝑶 𝑬𝒙é𝒓𝒄𝒊𝒕𝒐 𝑰𝒍𝒖𝒎𝒊𝒏𝒂𝒅𝒐, de David Toscana

 

Autor: David Toscana
Título: O Exército Iluminado
Tradutora: Helena Pitta
N.º de páginas: 180
Editora: Parsifal
Edição: Outubro 2014
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3718)





OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐

Em O Exército Iluminado, David Toscana, pelo viés de uma visão quixotesca, tece uma metáfora do patriotismo, do nacionalismo ferido.
É uma narrativa ousada e provocadora plena de ironia e emoção que transforma os fracassos em heroísmo e o absurdo em beleza.

Ignacio Matus, protagonista e motor da narrativa, é um professor ressentido e obcecado por perdas importantes: do território do Texas para os Estados Unidos e pela medalha de bronze de maratonista que alega ter-lhe sido roubada por um atleta norte-americano, Clarence DeMar, nas Olimpíadas de Paris, em 1924.
Matus é expulso da escola onde lecciona, por insistir, junto dos seus alunos, naquilo que ele considera a “vergonha nacional”. Inconformado, decide formar um exército – o Exército Iluminado - de crianças com deficiência para recuperar o território perdido no século XIX.

Toscana cria uma utopia, e como tal, recorre a uma trama inusitada, absurda, misturando delírio com idealismo, trágico com cómico e humor negro e brinda-nos com uma narrativa magnífica recheada de personagens carismáticas. Tomemos, por exemplo, “o gordo Comodoro”, que apesar da sua condição física e das suas evidentes limitações, é retratado com afeto e humor.

Assim, Toscana transforma personagens marginalizadas, com limitações graves, em heróis, em símbolos de resistência. É a celebração dos fragilizados que se tornam iluminados.

O Exército Iluminado é, por isso, um livro fabuloso pela sua imprevisibilidade e ao mesmo tempo pela total falta de senso do protagonista que acredita ganhar uma guerra com estas cinco crianças. A missão de recuperar o Texas é absurda, mas é através desta metáfora que o autor estabelece uma relação directa com os delírios de D. Quixote.
Toscana constrói uma trama carregada de ironia para nos falar de uma realidade que marcou um país, da história mexicana. Cria uma narrativa original e sensível. De forma comovente, mas não lamecha, mescla a dimensão histórica com a efabulação para explorar a complexidade do ser humano. Ao estruturar a narrativa de forma fragmentada, como se revisitasse memórias soltas, permite que passado, presente e futuro coabitem naturalmente com as vivências das suas personagens, estabelecendo uma relação entre a vida e a história; o presente e o passado, ou melhor, a fragilidade da vida retratada nestes anti-heróis e a força da memória de um homem patriota.

Toscana conduz o leitor para um universo de realismo mágico, bem nos trilhos de um Gabriel Garcia Márquez ou de um Juan Rulfo. O leitor, facilmente, seduzido deixa-se comover pela escrita poética e crua com que narra os acontecimentos insólitos vividos pelas crianças e deixa-se, sobretudo, invadir ora pela tristeza ora pela esperança e determinação. Tudo isto é um convite à reflexão. David Toscana eleva a sua narrativa a um patamar tão quixotesco que nos impele a questionar o sentido da vida e a natureza da violência num mundo tão caótico.

Foi uma bela descoberta. Mais um autor a acrescentar à já longa lista de autores sul-americanos.