24 dezembro, 2019

À Sombra da Memória, de Eugénio de Andrade

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SINOPSE

"Sou um homem com vocação para escutar. Vocação e paciência: fixa, imóvel, atenta ao rumor da luz, do coração batendo, ou simplesmente das palavras, quando se juntam para acasalar. Rumores que atravessam a nossa vida, se perdem na memória, regressam com as cabras, o focinho húmido dos primeiros orvalhos. Alguns desses rumores andam connosco desde menino, acabam perdidos num olhar, morrem à míngua de música. Rumores do azul fremente da sombra, dos cães ladrando no adro; rumor da chuva, os pingos grossos pressentindo a agonia das cigarras e do verão sobre as oliveiras; rumor do sol entrando pelo quarto, gatinhando até à cama."


OPINIÃO

Eugénio de Andrade é um dos meus poetas portugueses preferidos por duas razões específicas: a primeira, como não podia deixar de ser, a sua poesia; a segunda, porque é meu conterrâneo (nasceu na Póvoa da Atalaia, concelho do Fundão. Eu nasci no Tortosendo, concelho da Covilhã, mas vivi no Fundão). Por tudo isto, não compreendo como pude deixar este livro guardado na estante durante dez anos sem o ler. Incompreensível! Porém, releio amiúde a sua poesia. 
Este pequeno livro, em prosa, revela a sua sensibilidade perante a natureza, perante a amizade verdadeira, perante a arte. O autor “à sombra da memória”, fala-nos da sua infância, da sua mãe, dos amigos, dos lugares onde viveu e de algumas viagens. Tanto num tão pequeno livro, poder-se-ia afirmar. Sim, uma das principais características do autor é o uso apropriado da palavra. Nada está a mais, nada está a menos. Se assim é, na poesia o mesmo se verifica na prosa. Pelo que poderei afirmar que se trata de prosa poética. E citando o autor num dos seus poemas mais conhecidos: 

“São como um cristal, 
as palavras.” 

Estamos perante um discurso cristalino e conciso que conduz o leitor através das recordações, através dos sentidos num propósito de nos falar de si, da sua escrita, do seu mundo.

“O poeta é um homem de bruscas iluminações, não tem fórmulas para chegar à poesia; ninguém lhe pode apontar caminhos; chega-se lá como os cegos, tacteando;” (pp. 32 e 33)

“Andei por lá, nestes primeiros dias de Julho, à procura do rasto dos passos miúdos do garoto que por ali cresceu com os juncos da ribeira, e abriu, o coração à música do mundo:” (p. 99) 

“É assim, às vezes, a graça da poesia visita-nos: a mim, a vocês e temos que ficar-lhe gratos. Eu, por ter escrito o poema; vocês, por o terem recriado quando o lêem.” (p 111)

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