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06 abril, 2024

𝑭𝒊𝒍𝒉𝒐 𝒅𝒂 𝑷𝒊𝒅𝒆, de Paulo Jorge Pereira

 



Autor: Paulo Jorge Pereira
Título: Filho da Pide
N.º de páginas: 239
Editora: Oro - Caleidoscópio
Edição: Setembro 2023
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3545)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐



Filho da Pide é um romance baseado em factos reais que expõe actuações cruéis  de agentes da polícia política (PIDE) sobre pessoas inocentes. São momentos duríssimos, violentos, mortíferos, até. Ao ler determinados episódios, não conseguimos evitar de nos questionar como é possível que existam - no presente, sim - seres humanos tão cruéis para com os seus iguais?
Apesar de termos conhecimento destes comportamentos aplicados aos detidos, quando lemos demoradamente, palavra após palavra, as acções praticadas com ódio e satisfação (é um paradoxo, mas é mesmo assim) pelos agentes, os insultos proferidos, os socos e pontapés desferidos com raiva, as torturas aplicadas, … sentimo-nos dilacerados, impotentes. Vivemos intensa e emocionalmente as pancadas, os gritos, as humilhações, a morte… não sentimos dó, sentimos raiva e revolta por tanta desumanização.

Para voltar à trama propriamente dita do romance, esta decorre entre 1967 e 2017 em Lisboa e Paris. Carlos, o protagonista, que cresceu em Paris com o tio, tem de regressar a Portugal a pedido dos pais, que julgava mortos, porque a mãe se encontra à beira da morte.

O regresso vai revelar-lhe que a sua mãe foi uma agente da PIDE “cruel, cheia de rancores e sem o mínimo de remorsos” que venera Salazar e que TUDO faz pela Nação.
Esse regresso vai espoletar um confronto doloroso com o passado, a partir de cartas escritas pela própria mãe toma conhecimento dos seus actos, dos seus crimes, das suas traições ao marido, do abandono do filho. Carlos não aceita a motivação dos pais, não compreende que possam estar do lado dos ditadores.

Quando terminamos este livro, não somos mais os mesmos. Algo mudou interiormente. E pensamos no presente. E receamos o futuro.
Quando nos preparamos para celebrar os 50 anos do 25 de Abril, da liberdade (de falar, de ler, de escrever, de sonhar), questiono-me se toda a gente tem noção do que se passou nos anos de ditaduras, de guerras. Com tudo o que está a acontecer em Portugal e pelo mundo, será que temos consciência da existência de um passado de silêncio, de denúncia, de violência, de segregação, de extermínio?

Depois de ter digerido este livro, peguei na obra de Susana Moreira Marques, Lenços pretos, chapéus de palha e brincos de ouro que também revisita as mulheres deste país entre 1947 e 1949 (não vou desenvolver aqui o conteúdo, fá-lo-ei mais tarde). Mas se faço esta referência é porque a autora termina a sua “Nota ao leitor” com a seguinte frase: “Não podendo corrigir o curso da história passada, poderia sempre corrigir a história futura.”

Faz todo o sentido que assim seja. Mas será que ainda vamos a tempo? Será que foi com esta preocupação que o autor Paulo Pereira escreveu agora este livro? Posso concluir que sim. Agrada-me que assim seja. Recordar para não esquecer! Torna-se essencial.



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