Autor: Mário Lúcio Sousa
Título: Biografia do Língua
N.º de páginas: 340
Editora: D. Quixote
Edição: Outubro 2015
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3626)
Com este livro, Mário Lúcio Sousa criou uma deliciosa utopia “em que a história fosse sobretudo a magnífica missão de contar histórias.” (p.12)
Este objectivo do autor foi totalmente alcançado, já que o fio condutor da narrativa é um condenado à morte que, para atrasar o fatídico momento da sua execução, pede, como ultimo desejo, para contar a história de Esteban Montejo, um escravo chamado Língua, que revela a habilidade incomum de falar aos sete meses de idade e a capacidade de traduzir as falas dos colonizadores aos povos africanos.
“Aos sete meses de idade, o preto abriu a boca e, quando toda a gente pensou que ele ia cuspir o leite, disse: Tenho uma língua. (…) Mando que me escrevam, pois, a biografia desse Língua. Palavra de rei, leia-se lei, portanto cumpra-se. Assim, em cumprimento da ordem real, a partir daquele momento, o menino, preto ao nascer, passou a chamar-se oficialmente Língua, mas nas circunstâncias de então, Língua era mais profissão do que apelido.” (pp. 22 e 23)
O condenado narrador, sabiamente, entrelaça a história de vida do Língua com histórias de outras pessoas, com momentos históricos de Cabo Verde e de África e com o surgimento de uma nova cidade, Falésia, vai construindo um mosaico de experiências que revelam e formam a complexidade da identidade e da memória de todo um povo.
Para tal, recorre a estratégias que nos transportam para as 1001 Noites de Xerazade. Sem pausas na sua narrativa, provoca a curiosidade do povo que se vai aproximando e instalando no local. Num jogo de palavra passa-palavra, a comunidade vai crescendo, a cidade vai-se construindo. Falésia constitui-se e os falesianos instituem o silêncio como condição de habitabilidade para, assim, poderem acompanhar a narração.
“Cento e noventa anos a contar histórias. Será mesmo esse o tempo que passou? Como haveremos de saber se aqui medimos tudo pelo tempo da história? Dormimos e acordamos sem mais pretensão do que ouvir narrar. Acontece que agora Falésia já introduziu um novo conceito de território e de propriedade no mundo e no tempo.” (p. 251)
E, assim, maravilhado pelas palavras e pela construção da narrativa, numa atmosfera de realismo mágico, tão característico do autor, o leitor deixa-se conduzir deleitosamente ao longo das páginas. Mais do que um romance sobre um escravo com atributos invulgares e prodigiosos, estamos perante algo delicioso sobre a arte de narrar estórias e, sobretudo, sobre o poder que estas acarretam para criar um mundo melhor.
Apesar do seu cariz utópico, este romance impele o leitor a reflectir sobre aspectos importantes como o colonialismo, a abolição da escravatura, a independência, o capitalismo, o comunismo, a liberdade, a educação, o amor e a morte.
Se ainda não leram este autor, fica a recomendação.
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