17 novembro, 2019

O deslumbre de Cecília Fluss, de João Tordo


SINOPSE

Aos catorze anos, Matias Fluss é um adolescente preocupado com três coisas: o sexo, um tio enlouquecido e as fábulas budistas. Vive com a mãe e a irmã mais velha, Cecília, numa espécie de ninho onde lambe as feridas da juventude: a primeira paixão, as dúvidas existenciais, os conflitos de afirmação. Sempre que sente o copo a transbordar, refugia-se na cabana isolada do tio Elias.
Cedo, contudo, a inocência lhe será arrancada. Ao virar da esquina, encontra-se o golpe mais duro da sua vida: o desaparecimento súbito de Cecília que, afundada numa paixão por um homem desconhecido, é vista pela última vez a saltar de uma ponte.

Muito mais tarde, Matias será obrigado a revisitar a dor, quando a sua pacata vida de professor universitário é interrompida por uma carta vinda das sombras do passado, lançando a suspeita sobre o que aconteceu realmente à sua irmã — sem saber ainda que regressar ao passado poderá significar, também, resgatar-se a si mesmo.

No final desta «trilogia dos lugares sem nome», iniciada com O luto de Elias Gro, João Tordo explora, através de personagens únicas e universais, numa geografia singular, os temas da memória e do afecto, do amor e da desolação, da vida terrena e espiritual, procurando aquilo que com mais força nos liga aos outros e a nós próprios.


OPINIÃO



Com este livro termino a trilogia dos Lugares Sem Nome. Três romances com personagens que transitam de uns para os outros, mas que podem ser lidos sem qualquer ordem. 

E continuo a achar que estes livros marcam uma viragem na escrita de João Tordo, tal como o enunciei aquando da leitura do Luto de Elias Gro, o primeiro que li e o primeiro da trilogia. A escrita continua sublime e bela, e tal como nos anteriores predominam os sentimentos, o questionamento a procura do eu. 

Neste livro em concreto, o autor explora a temática da perda da memória, do isolamento, da loucura. É Matias Fluss, adulto, numa tentativa de resgatar a sua memória, que nos conta a sua adolescência conturbada, a solidão e a loucura do seu tio Elias, a insatisfação e o desaparecimento da sua irmã Cecília. 

“Antes de começarmos a esquecer, temos de recordar, de começar por recordar, e aquele que começa a recordar, inversamente, começa também a esquecer” (p. 194) 

Mas o envelhecimento e o avanço da demência baralham tudo e é uma aluna de Matias que o ajuda a confrontar o passado e a revisitar a dor ao descobrir a verdade sobre a sua irmã. Trata-se de um complexo caminho para levar o leitor ao questionamento sobre a vida, sobre a condição humana. 

Nos três livros temos a fuga e o isolamento como meios de esquecer o passado. Em todos, o leitor vive o desespero da personagem, assiste à sua decadência, à loucura, à dor, por vezes à esperança. 

“Caminhei até à praia, via as gaivotas saltarem empoleiradas nas suas perninhas ridículas, o mar entrava lentamente pela areia dentro. Nada nos aprisiona, concluí. Somos nós que construímos a cela, que nos enclausuramos, e isso dói. Mas é preciso que doa, que doa muito, até que a dor de abrir uma brecha nesse muro seja menor que a dor de permanecer preso lá dentro, Na maior parte das vidas, tal nunca sucede.” (p. 326) 




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