17 setembro, 2019

Os Fios, de Sandra Catarino


SINOPSE

Numa noite de lobos em que todos rezam a Santa Bárbara e os mais velhos recordam uma tragédia antiga, chega misteriosamente à aldeia um estrangeiro e a sua filha Madalena, de três anos, cujos olhos cinzentos tão depressa atraem como assustam.

Nessa mesma noite, a criada do solar vem chamar Violeta para que acuda à sua senhora - pois a hora do parto chegou intempestiva - e Celeste nascerá pouco depois, ignorando que a solidão rodeará grande parte da sua vida. No Fundo do Lugar, onde a água da chuva irrompe em ondas pelas casas mais pobres, é a vez de Samuel - o que desenha bichos no chão dos quintais e imita o canto das aves - temer, como sempre, pela vida da mãe.

Madalena, Celeste e Samuel são os lados desiguais do triângulo donde brotam os fios desta história, contada por três mulheres que se assemelham a fiandeiras do tempo: Antónia, a viúva que tricota camisolas e mantas, acrescentando dias à vida de cada um; Violeta, a que apara nas mãos os filhos da terra e guarda segredos tristes numa gaveta; e Emília, a que ouve em sonhos o afiar de facas e calcula os caminhos que a morte escolhe percorrer.

Os Fios - romance de estreia que revela uma surpreendente maturidade literária - combina de forma magistral a crueza do meio rural com um lirismo inesperado e bem-vindo que torna esta narrativa mágica e poderosamente empática.

OPINIÃO

Adorei este romance. A narrativa de Sandra Catarina revela uma profunda sensibilidade. Com capítulos curtos, alguns de uma só página, numa escrita poética e ilusoriamente simples, a autora descreve um meio rural onde todos se conhecem e partilham as memórias, as crenças, as doenças, o sofrimento e também a coscuvilhice. 

“Poucos viram, mas toda a aldeia sabe.” (p. 83) 

Os Fios tricotados por Antónia representam a metáfora da vida, a passagem do tempo. 

“Em casa, ponho-me a tricotar-lhe uma camisola, como no início. Talvez para me convencer de que volta. Vou precisar de vários novelos, tantos fios quantos os caminhos que ele fará na floresta até encontrar o seu destino. Escolho uma lã verde da cor dos caules, a condizer com a sua alma.” (p. 149) 

“Este é o tempo de rasgar outro será o de coser” (p. 117). 

Antónia, Violeta e Emília são as três mulheres que (cada uma com uma missão muito particular) contam a vida da aldeia, que vão desbravando o caminho, que estabelecem a ligação entre as personagens e os acontecimentos. Uns tristes, outros mágicos. Prefiro os últimos: o som do violino, os dedos a deslizar nas teclas, o perfume das flores, o voo dos pássaros de papel, os desenhos de animais… 

“ Levo-os para a mesa e espalho-os sobre o tampo. Não são suficientes para conceder desejos, o professor sempre nos falou em bandos de mil, provavelmente foram por isso que nunca cheguei a ver o mar. (…) Abro um dos pássaros, para me lembrar de como se fazem, e volto a dobrá-lo por tentativas, acertando os vincos. (…) Lá do alto, o Francesco lança os pássaros. Olho para o céu e avisto-lhes as plumagens brancas, pardas, cinzentas, feitas dos papéis que recolhi durante meses…

 “Aos poucos, tudo se fazia constelação” (p.196)




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