29 março, 2015

Um presente






Faz por ti

Faz o Sol por ti antes que arda. 

Faz a chuva por ti antes que chores. 
Faz a Lua por ti antes do dia. 
Faz um sonho por ti antes do pequeno-almoço. 
Faz um filho por ti com alguém. 
Faz um negócio por ti por dinheiro. 
Faz um vestido, não por ti, mas pelo teu corpo. 
Faz um caminho por ti antes que te doam as pernas pela falta de uso. 
Faz um festival da canção, afasta a mesa da sala, usa uma escova como microfone, faz as canções todas do mundo por ti e as brilhantinas todas do mundo por ti. 
Faz uma corrida por alguém e corta por ti a meta. 
Corta por ti uma laranja e sorve o sumo por uma pessoa só se tiveres muita sede. 
Faz por ti um facho… e alumia quem te segue. 
Faz por ti com rigor mesmo rodeado de indolentes. 
Faz por ti com calma mesmo assolado por patrões. 
Faz por ti a coragem e serás assustador sempre que for preciso. 
Faz por ti a sabedoria e saberás sempre que estiveres calado. 
Não faças pouco de ti. 
Não faças pouco dos outros. 
Faz por ti como o dia quando acordas.


João Negreiros

24 março, 2015

Herberto Hélder (1930-2015)






Se houvesse degraus na terra...


Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu,
eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia.
No céu podia tecer uma nuvem toda negra.
E que nevasse, e chovesse, e houvesse luz nas montanhas,
e à porta do meu amor o ouro se acumulasse.

Beijei uma boca vermelha e a minha boca tingiu-se,
levei um lenço à boca e o lenço fez-se vermelho.
Fui lavá-lo na ribeira e a água tornou-se rubra,
e a fímbria do mar, e o meio do mar,
e vermelhas se volveram as asas da águia
que desceu para beber,
e metade do sol e a lua inteira se tornaram vermelhas.

Maldito seja quem atirou uma maçã para o outro mundo.
Uma maçã, uma mantilha de ouro e uma espada de prata.
Correram os rapazes à procura da espada,
e as raparigas correram à procura da mantilha,
e correram, correram as crianças à procura da maçã.




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Poesia


Poesia – O Amor em Visita (1958)
A Colher na Boca (1961)
Poemacto (1961)
Retrato em Movimento (1967)
O Bebedor Nocturno (1968)
Vocação Animal (1971)
Cobra (1977)
O Corpo o Luxo a Obra (1978)
Photomaton & Vox (1979)
Flash (1980)
A Cabeça entre as Mãos (1982)
As Magias (1987)
Última Ciência (1988)
Do Mundo, (1994)
Poesia Toda (1º vol. de 1953 a 1966; 2º vol. de 1963 a 1971) (1973)
Poesia Toda (1ª ed. em 1981)
A Faca Não Corta o Fogo - Súmula & Inédita (2008)
Ofício Cantante (2009)
Servidões (2013)
A Morte Sem Mestre (2014)

Ficção

Os Passos em Volta (1963)
Apresentação do Rosto (1968).
A Faca Não Corta o Fogo (2008).






21 março, 2015

Hoje é o Dia da Poesia

                                                      Donnadieu Rémy Photographer


Heureux, le rêveur, aux nuits de l'éternelle destinée,
Qui, tel un vagabond qui erre de bon matin,
Se réveille, l'esprit empli de songes éthérés,
Et, à la rosée du jour, se met à vivre sans chemin !
À mesure qu'il marche, la vie vient lentement,
Et fait des étoiles ainsi qu'au firmament.
Il ne voit plus bien, à cette clarté blême,
Les choses dans son errance et la quête en elle-même,
Tout dort en ce monde ; il est seul, il le croit.
Et, cependant, fermant les yeux de son doigt,
Derrière sa vie de clochard l'univers s'enivre,
L'ange souriant se penche sur sa vie qui le délivre.
Il comprend qu'on le traite de bête,
Qu'on boit, qu'on roule,
Qu'on fasse, passants, ce que vous faites,
Et qu'on trouve cela joyeux ;
A jeter l'obole,
Pour s'offrir le bon rôle !
Mais il vit au pavé sous les étoiles,
Va et vient sous les toiles
De la rue où nous oublions, de respirer l'atmosphère,
C'est âpre et triste, mais il préfère
Cette hébétude plutôt qu'être un mouton.



Copyright Donnadieu Rémy.
www.donnadieuremyphotographe.com