23 dezembro, 2012

Dois poemas




Natal, e não Dezembro

Entremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio
no prédio que amanhã for demolido...
Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos e depressa, em qualquer sítio,
porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.

Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma nave...
Entremos, despojados, mas entremos.
De mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada.


David Mourão Ferreira

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Ansiedade (e esperança)
Quero compor um poema
onde fremente
cante a vida
das florestas das águas e dos ventos.

Que o meu canto seja
no meio do temporal
uma chicotada de vento
que estremeça as estrelas
desfaça mitos
e rasgue nevoeiros — escancarando sóis!

Manuel da Fonseca

18 dezembro, 2012

Um texto de Valter Hugo Mãe



Os professores

Achei por muito tempo que ia ser professor.
Tinha pensado em livros a vida inteira, era-me imperiosa a dedicação a aprender e não guardava dúvidas acerca da importância de ensinar.
Lembrava-me de alguns professores como se fossem família ou amores proibidos. Tive uma professora tão bonita e simpática que me serviu de padrão de felicidade absoluta ao menos entre os meus treze e os quinze
anos de idade. A escola, como mundo completo, podia ser esse lugar perfeito.
... Ver mais de liberdade intelectual, de liberdade superior, onde cada indivíduo se vota a encontrar o seu mais genuíno, honesto, caminho. Os professores são quem ainda pode, por delicado e precioso
ofício, tornar-se o caminho das pedras na porcaria de mundo em que o mundo se tem vindo a tornar. Nunca tive exatamente de ensinar ninguém.

Orientei uns cursos breves, a muito custo, e tento explicar umas clarividências ao cão que tenho há umas semanas. Sinto-me sempre mais afetivo do que efetivo na passagem do testemunho. Quero muito que o
Freud, o meu cão, entenda que estabeleço regras para que tenhamos uma vida melhor, mas não suporto a tristeza dele quando lhe ralho ou o fecho meia hora na marquise. Sei perfeitamente que não tenho
pedagogia, não estudei didática, não sou senão um tipo intuitivo e atabalhoado. Mas sei, e disso não tenho dúvida, que há quem saiba transmitir conhecimentos e que transmitir conhecimentos é como criar de novo aquele que os recebe. Os alunos nascem diante dos professores, uma e outra vez. Surgem de dentro de si mesmos a partir do entusiasmo e das palavras dos professores que os transformam em melhores versões.

Quantas vezes me senti outro depois de uma aula brilhante. Punha-me a caminho de casa como se tivesse crescido um palmo inteiro durante cinquenta minutos. Como se fosse muito mais gente. Cheio de um orgulho
comovido por haver tantos assuntos incríveis para se discutir e por merecer que alguém os discutisse comigo.
Houve um dia, numa aula de história do sétimo ano, em que falámos das estátuas da Roma antiga. Respondi à professora, uma gorduchinha toda contente e que me deixava contente também, que eram os olhos que
induziam a sensação de vida às figuras de pedra. A senhora regozijou. Disse que eu estava muito certo. Iluminei-me todo, não por ter sido o mais rápido a descortinar aquela solução, mas porque tínhamos visto
imagens das estátuas mais deslumbrantes do mundo e eu estava esmagado de beleza.

Quando me elogiou a resposta, a minha professora contente apenas me premiou a maravilha que era, na verdade, a capacidade de induzir maravilha que ela própria tinha. Estávamos, naquela sala de aula, ao menos nós os dois, felizes. Profundamente felizes.

Talvez estas coisas só tenham uma importância nostálgica do tempo da meninice, mas é verdade que quando estive em Florença me doíam os olhos diante das estátuas que vira em reproduções no sétimo ano da
escola. E o meu coração galopava como se estivesse a cumprir uma sedução antiga, um amor que começara muito antigamente, se não inteiramente criado por uma professora, sem dúvida que potenciado e
acarinhado por uma professora. Todo o amor que nos oferecem ou potenciam é a mais preciosa dádiva possível.

Dá -me isto agora porque me ando a convencer de que temos um governo que odeia o seu próprio povo. E porque me parece que perseguir e tomar os professores como má gente é destruir a nossa própria casa.

Os professores são extensões óbvias dos pais, dos encarregados pela educação de algum miúdo, e massacrá-los é como pedir que não sejam capazes de cuidar da maravilha que é a meninice dos nossos miúdos. É como pedir que abdiquem de melhorar os nossos miúdos, que é pior do que nos arrancarem telhas da casa, é pior do que perder a casa, é pior do que comer apenas sopa todos os dias.

Estragar os nossos miúdos é o fim do mundo. Estragar os professores, e as escolas, que são fundamentais para melhorarem os nossos miúdos, é o fim do mundo. Nas escolas reside a esperança toda de que, um dia, o mundo seja um condomínio de gente bem formada, apaziguada com a sua condição mortal mas esforçada para se transcender no alcance da felicidade.
E a felicidade, disso já sabemos todos, não é individual. É obrigatoriamente uma conquista para um coletivo. Porque sozinhos por natureza andam os destituídos de afeto.

As escolas não podem ser transformadas em lugares de guerra. Os professores não podem ser reduzidos a burocratas e não são elásticos. Não é indiferente ensinar vinte ou trinta pessoas ao mesmo tempo. Os
alunos não podem abdicar da maravilha nem do entusiasmo do conhecimento.

E um país que forma os seus cidadãos e depois os exporta sem piedade e por qualquer preço é um país que enlouqueceu. Um país que não se ocupa com a delicada tarefa de educar, não serve para nada. Está a
suicidar-se. Odeia e odeia-se.

 Valter Hugo Mãe in  Jornal de Letras, 19 setembro 2012

14 dezembro, 2012

Richard Zenith vence Prémio Pessoa 2012


 
O escritor norte-americano Richard Zenith é o vencedor do Prémio Pessoa 2012. Zenith é investigador pessoano, tradutor e crítico literário, responsável pela tradução para inglês de autores como Camões, Sophia de Mello Breyner, Drummond e Antero de Quental.
 
Em 1988 começou a traduzir o Livro do Desassossego de Bernardo Soares para inglês (tradução publicada em 1991 sob o título The Book of Disquietude). Nessa altura fez muitas pesquisas no espólio de Pessoa. Em 1998 publicou Fernando Pessoa & Co. - Selected Poems, prémio de tradução atribuído pelo PEN Club norte-americano. Neste mesmo ano, preparou para a Assírio & Alvim uma edição do Livro do Desassossego e, com base nesta edição, fez uma nova tradução para inglês, The Book of Disquiet, publicada pela Penguin em 2001.
"A dedicação de Richard Zenith à língua e à literatura portuguesas levou-o ainda a traduzir para inglês autores clássicos e contemporâneos como Antero de Quental, Sophia de Mello Breyner, Nuno Júdice e António Lobo Antunes. Richard Zenith conta igualmente com uma produção original de poemas e contos dispersos por publicações várias". É autor de um livro de contos publicado em 2003 pela editora Quasi, Terceiras Pessoas. Tem também poemas seus publicados em revistas norte-americanas.
 
 
Notícia completa em Público
 
Esta é a 26.ª edição do Prémio Pessoa. A lista dos antigos galardoados é composta pelos seguintes nomes:
  • 1987 - José Mattoso
  • 1988 - António Ramos Rosa
  • 1989 - Maria João Pires
  • 1990 - Menez
  • 1991 - Cláudio Torres
  • 1992 - António e Hanna Damásio
  • 1993 - Fernando Gil
  • 1994 - Herberto Helder
  • 1995 - Vasco Graça Moura
  • 1996 - João Lobo Antunes
  • 1997 - José Cardoso Pires
  • 1998 - Eduardo Souto Moura
  • 1999 - Manuel Alegre e José Manuel Rodrigues
  • 2000 - Emanuel Nunes
  • 2001 - João Bénard da Costa
  • 2002 - Manuel Sobrinho Simões
  • 2003 - José Joaquim Gomes Canotilho
  • 2004 – Mário Cláudio
  • 2005 – Luís Miguel Cintra
  • 2006 – António Câmara
  • 2007 – Irene Flunser Pimentel
  • 2008 - João Luís Carrilho da Graça
  • 2009 – D. Manuel Clemente
  • 2010 – Maria do Carmo Fonseca
  • 2011 – Eduardo Lourenço
  • 2012 - Richard Zenith
 

09 dezembro, 2012

Clarice Lispector 10 Dez 1920 - 9 Dez 1977




Que ninguém se engane, só se consegue a simplicidade através de muito trabalho.

Clarice Lispector

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O sonho

Sonhe com aquilo  que você quer ser,
porque você possui apenas uma vida
e nela só se tem uma chance
de fazer aquilo que quer.

Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana.
E esperança suficiente para fazê-la feliz.

As pessoas mais felizes não têm as melhores coisas.
Elas sabem fazer o melhor das oportunidades
que aparecem em seus caminhos.

A felicidade aparece para aqueles que choram.
Para aqueles que se machucam.
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem
a importância das pessoas que passam por suas vidas.

Clarice Lispector

06 dezembro, 2012

Morreu Oscar Niemeyer (15-12-1907 / 6-12-2012)





  O brasileiro que revolucionou a Arquitetura Moderna, com a introdução da linha curva e novas possibilidades de utilização do betão, morreu hoje aos 104 anos no Rio de Janeiro. Oscar Niemeyer deixa meio milhar de obras, entre as quais a cidade de Brasília.

Ler mais:expresso.sapo.pt
 
Brasília

Brasília
Desenhada por Lúcio Costa Niemeyer e Pitágoras
Lógica e lírica
Grega e brasileira
Ecuménica
Propondo aos homens de todas as raças
A essência universal das formas justas
Brasília despojada e lunar como a alma de um poeta
muito jovem
Nítida como Babilónia
Esguia como um fuste de palmeira
Sobre a lisa página do planalto
A arquitectura escreveu a sua própria paisagem
 
O Brasil emergiu do barroco e encontrou o seu número
 
No centro do reino de Ártemis
— Deusa da natureza inviolada —
No extremo da caminhada dos Candangos
No extremo da nostalgia dos Candangos
Athena ergueu sua cidade de cimento e vidro
Athena ergueu sua cidade ordenada e clara como um pensamento
 
E há no arranha-céus uma finura delicada de coqueiro

Sofia de Mello Breyner Andresen , in Geografia, 1967