31 dezembro, 2009

Um poema de Al Berto

Amedeo Clemente Modigliani (Livorno, 12-07-1884 — Paris, 24-01-1920)


visita-me enquanto não envelheço
toma estas palavras cheias de medo e surpreende-me
com teu rosto de Modigliani suicidado

tenho uma varanda ampla cheia de malvas
e o marulhar das noites povoadas de peixes voadores

ver-me antes que a bruma contamine os alicerces
as pedras nacaradas deste vulcão a lava do desejo
subindo à boca sulfurosa dos espelhos

antes que desperte em mim o grito
dalguma terna Jeanne Hébuterne a paixão
derrama-se quando tua ausência se prende às veias
prontas a esvaziarem-se do rubro ouro

perco-te no sono das marítimas paisagens
estas feridas de barro e quartzo
os olhos escancarados para a infindável água

com teu sabor de açúcar queimado em redor da noite
sonhar perto do coração que não sabe como tocar-te

Al Berto, in O Medo

27 dezembro, 2009

Mais um livro do argentino Júlio Cortázar



Sinopse:
Pela primeira vez publicado em Portugal, «A volta ao dia em oitenta mundos», confirma todo o génio criativo de Julio Cortázar, consubstanciado numa nova forma de fazer literatura. Cortázar rompe com o modelo clássico da narrativa e apresenta ao leitor, num único volume, uma colectânea de textos literários que abrange o conto, a poesia, o ensaio, o comentário humorístico e autobiográfico, e que tratam temas tão variados como o boxe, a política, técnicas culinárias, sadismo, Paris, entre outros. Tudo alternado com ilustrações e fotografias escolhidas pelo próprio autor. Uma das obras fundamentais da narrativa mundial, e um livro incontornável deste importante autor.
É o segundo livro deste autor que a editora Cavalo de Ferro publica
em ano e meio. O Jogo do Mundo (Rayuela) em Maio de 2008 e agora este: "Quinta-essência do moderno, o argentino bebe do surrealismo e do fantástico, acrescenta-lhe a desconstrução estilística do jazz, a revolução relativista vinda da ciência e um desconforto essencial que é coisa sua..." in Actual, 24/12/2009

Prémio Luís Miguel Nava 2009 atribuído a A. M. Pires Cabral

«O Prémio de Poesia Luís Miguel Nava 2009, agora bienal e referente aos livros de poesia publicados em 2007 e 2008, foi atribuído ao livro As Têmporas da Cinza, de A. M. Pires Cabral, publicado pelas Edições Cotovia. No valor de cinco mil euros, o prémio, que, nas anteriores atribuições, foi concedido aos poetas Sophia de Mello Breyner Andresen, Fernando Echevarría, António Franco Alexandre, Armando Silva Carvalho, Manuel Gusmão, Fernando Guimarães, Manuel António Pina, Luís Quintais, António Ramos Rosa e Pedro Tamen, correspondeu à decisão unânime de um júri constituído, como habitualmente, por quatro membros da direcção da Fundação Luís Miguel Nava, Carlos Mendes de Sousa, Fernando Pinto do Amaral, Gastão Cruz e Luís Quintais, e um elemento convidado, desta vez o poeta e crítico António Carlos Cortez.
A limpidez e a precisão da escrita de A. M. Pires Cabral, a sua penetrante e austera visão dum mundo cuja expressão encontra numa espécie de imitação da terra o modelo para uma linguagem poética de invulgar intensidade, fazem deste autor um dos casos mais representativos da nossa melhor poesia contemporânea.» Comunicado do júri.

A. M. Pires Cabral nasceu em 1941, na freguesia de Chacim, concelho de Macedo de Cavaleiros, Trás-os-Montes. Licenciou-se em Filologia Germânica na Universidade de Coimbra e é actualmente professor do Ensino Secundário. Tornou-se conhecido ao ganhar o Prémio Círculo de Leitores de 1983 com o romance Sancirilo. É um escritor cuja matéria literária se centra essencialmente na ruralidade.

mais informação:
aqui

Um poema de Al Berto


no regresso encontrei aqueles
que haviam estendido o sedento corpo
sobre infindáveis areias

tinham os gestos lentos das feras amansadas
e o mar iluminava-lhes as máscaras
esculpidas pelo dedo errante da noite

prendiam sóis nos cabelos entrançados
lentamente
moldavam o rosto lívido como um osso
mas estavam vivos quando lhes toquei
depois
a solidão transformou-os de novo em dor
e nenhum quis pernoitar na respiração
do lume

ofereci-lhes mel e ensinei-os a escutar
a flor que murcha no estremecer da luz
levei-os comigo
até onde o perfume insensato de um poema
os transmudou em remota e resignada ausência

Al Berto, in Sete Poemas do Regresso de Lázaro

25 dezembro, 2009

4 poemas de Natal



A NOITE DE NATAL

Em a noite de Natal
Alegram-se os pequenitos;
Pois sabem que o bom Jesus
Costuma dar-lhes bonitos.

Vão se deitar os lindinhos
Mas nem dormem de contentes
E somente às dez horas
Adormecem inocentes.

Perguntam logo à criada
Quando acorde de manhã
Se Jesus lhes não deu nada.

– Deu-lhes sim, muitos bonitos.
– Queremo-nos já levantar
Respondem os pequenitos.

Mário de Sá-Carneiro
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PRELÚDIO DE NATAL

Tudo principiava
pela cúmplice neblina
que vinha perfumada
de lenha e tangerinas

Só depois se rasgava
a primeira cortina
E dispersa e dourada
no palco das vitrinas

a festa começava
entre odor a resina
e gosto a noz-moscada
e vozes femininas

A cidade ficava
sob a luz vespertina
pelas montras cercada
de paisagens alpinas

David Mourão-Ferreira

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Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.

Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.

Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.

Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

Vinícius de Moraes

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Natal Chique

Percorro o dia, que esmorece
Nas ruas cheias de rumor;
Minha alma vã desaparece
Na muita pressa e pouco amor.
Hoje é Natal. Comprei um anjo,
Dos que anunciam no jornal;
Mas houve um etéreo desarranjo
E o efeito em casa saiu mal.
Valeu-me um príncipe esfarrapado
A quem dão coroas no meio disto,
Um moço doente, desanimado…
Só esse pobre me pareceu Cristo.

Vitorino Nemésio

13 dezembro, 2009

"Le dernier vol" de Karim Dridi



mais fotos: aqui

Synopsis : Sahara Français, 1933.
Partie à la recherche de l'homme qu'elle aime, disparu lors d'une tentative de traversée Londres / Le Cap en avion, l'aventurière et aviatrice Marie Vallières de Beaumont est contrainte de poser son biplan prés d'un poste avancé de "méhariste" français en plein désert saharien.
Confronté à la détermination de la jeune femme, Antoine Chauvet, lieutenant en conflit avec sa hiérarchie, décide de l'aider dans cette quête désespérée, dans un lieu aussi grandiose et hostile que le Ténéré.
Dans ce désert qui ne ment pas, et dans l'abandon qu'il impose, Marie et Antoine découvriront une vérité à laquelle ils ne s'attendaient pas.



12 dezembro, 2009

Deolinda - 3º melhor disco de World Music 2009

‘Canção ao Lado’ considerado o terceiro melhor disco de World Music de 2009

O álbum de estreia dos Deolinda, ‘Canção ao Lado’, foi eleito o terceiro melhor disco de World Music de 2009 pelo ‘Sunday Times’.


Segundo o jornal britânico, "Ana Bacalhau e os seus jovens colegas combinam a tensão do fado com sensibilidade da pop, e de olho nos tiques dos lisboetas. As canções são fabulosas", pode ler-se na edição do passado domingo.

Segundo o jornal britânico, "Ana Bacalhau e os seus jovens colegas combinam a tensão do fado com sensibilidade da pop, e de olho nos tiques dos lisboetas. As canções são fabulosas", pode ler-se na edição do passado domingo.

Segundo o jornal britânico, "Ana Bacalhau e os seus jovens colegas combinam a tensão do fado com sensibilidade da pop, e de olho nos tiques dos lisboetas. As canções são fabulosas", pode ler-se na edição do passado domingo.
A referência elogiosa do jornal britânico acontece no ano em que os Deolinda arriscaram a internacionalização. ‘Canção ao Lado’ foi editado em quase todos os países da Europa, bem como nos EUA, e o grupo efectuou também vários espectáculos um pouco por toda a Europa.


11 dezembro, 2009

Ceccusi traduz Pessoa

Il poeta è un fingitore.
Finge cisí completamente
Che giunge a fingir che dolore
Il dolore che devvero sente.

E quelli che leggono ciù che scrive,
Nel dolore letto bem sentono,
Non i due che egli sentono,
Non i due che egli há avulto,
Ma solo quello che loro non banno.


in, Ecos europeus de António Carlos Cortez, JL

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.


Fernando Pessoa

08 dezembro, 2009

Em lista de espera

As minhas prendas de Natal! Claro que já estão desembrulhadas, a dificuldade é saber por qual começar.







07 dezembro, 2009

Ary dos Santos (7/12/37- 18/01/84)


Auto-Retrato

Poeta é certo mas de cetineta
fulgurante de mais para alguns olhos
bom artesão na arte da proveta
narciso de lombardas e repolhos.

Cozido à portuguesa mais as carnes
suculentas da auto-importância
com toicinho e talento ambas partes
do meu caldo entornado na infância.

Nos olhos uma folha de hortelã
que é verde como a esperança que amanhã
amanheça de vez a desventura.

Poeta de combate disparate
palavrão de machão no escaparate
porém morrendo aos poucos de ternura.


Ary dos Santos

05 dezembro, 2009

Um poema de Alice Vieira


Sempre amei por palavras muito mais
do que devia

são um perigo
as palavras

quando as soltamos já não há
regresso possível
ninguém pode não dizer o que já disse
apenas esquecer e o esquecimento acredita
é a mais lenta das feridas mortais
espalha-se insidiosamente pelo nosso corpo
e vai cortando a pele como se um barco
nos atravessasse de madrugada

e de repente acordamos um dia
desprevenidos e completamente
indefesos

um perigo
as palavras

mesmo agora
aparentemente tão tranquilas
neste claro momento em que as deixo em desalinho
sacudindo o pó dos velhos dias
sobre a cama em que te espero



Alice Vieira


_________

Pintura de Pablo Picasso Mulher de Cabelos Amarelos,1931 Museu Guggenheim de Nova York.

Al Berto


Quando aqui não estás
o que nos rodeou põe-se a morrer
a janela que abre para o mar
continua fechada só nos sonhos
me ergo
abro-a
deixo a frescura e a força da manhã
escorrem pelos dedos prisioneiros
da tristeza
acordo
para a cegante claridade das ondas
um rosto desenvolve-se nítido
além
rasando o sal da imensa ausência
uma voz
quero morrer
com uma overdose de beleza
e num sussurro o corpo apaziguado
perscruta esse coração
esse
solitário caçador


Al Berto

04 dezembro, 2009

Abdellatif Laâbi

Cultiver mon unicité ?
Cela ne me ressemble pas
Consulter ?
Rien à faire
Me mettre en chasse de mes sosies
les attraper au filet tel un négrier
et les enfermer dans une cale ?
Non
je n’ai pas cette agressivité
Écrire des petits poèmes
sur les fleurs et les papillons
ou d’autres bien blancs et potelés
pour célébrer le nombril de la langue ?
Très peu pour moi
quand les cornes du taureau
m’écorchent les mains
et que le souffle de la bête
me brûle le visage
Autant crier à mon double
en agitant devant lui la muleta :
Toro
viens chercher !

Mon Cher Double, Abdellatif Laâbi
(Éditions de la Différence, 2007)

Goncourt Poésie 2009

Le Goncourt de la poésie 2009 a été attribué mardi 1er décembre à Paris à l'écrivain et poète marocain Abdellatif Laâbi pour l'ensemble de son oeuvre.